Dissonância fiscal alimenta desconfiança dos mercados
Os mercados financeiros sempre perscrutam o futuro e detectaram sinais de uma encrenca fiscal no Brasil, embora a situação atual das finanças públicas esteja longe de ser catastrófica ou prenuncie desastres no curto prazo. O alerta veio com o grande déficit público do mês de setembro, de R$ 10,5 bilhões, seguido por outro, o da balança comercial de outubro, apontando o pior resultado em dez meses desde 1997. O pessimismo, fiscal ou não, se alimenta da sensação de desarrumação geral da política econômica do governo de Dilma Rousseff. Com o flanco fiscal à mostra, uma ameaça de rebaixamento da dívida por agências de classificação de risco e o persistente nervosismo com o fim dos estímulos monetários nos EUA, a bolsa brasileira e o real estão sendo castigados.
Se a situação fiscal não é ruim, a tendência das contas públicas, expressa por atos e intenções do governo, apontam para uma piora, que pode ser corrigida com vontade política. A renegociação das dívidas de Estados e municípios para ampliar espaço a seu endividamento foi um passo errado, que trará custos, entre os quais o maior deles é o arranhão na Lei de Responsabilidade Fiscal, ferida, se não em seus termos, em sua filosofia.
Os motivos de desconfiança se encadeiam. A LRF encerrou a farra fiscal dos Estados, que arruinou o país e terminou de vez em 1999. A troca do indexador fazia sentido, sua retroatividade não – e ela foi tingida por motivos políticos. A mudança tinha como moeda de troca a reforma do ICMS. Pelo desconforto com as perspectivas eleitorais, a concessão de benesses a Estados e municípios em ano pré-eleitoral pode até ser aprovada sem alterações importantes no ICMS.
Além disso, o governo abriu linhas de financiamento no BNDES para gastos dos Estados e concordou em conceder um extemporâneo aval para que Estados trocassem dívida interna por externa. Poucos meses depois, a instabilidade cambial chegou, para não ir embora tão cedo. Mais: o governo se empenhou, depois de estimular investimentos dos Estados, para aprovar dispositivo que o desobriga de cobrir a meta fiscal de Estados e municípios, se eles não a cumprirem. Permeando todas essas “liberalidades”, esteve a contabilidade criativa, que ajudou o Tesouro a fechar as contas em 2012, arranhando bastante a credibilidade da equipe econômica.
Sem expedientes criativos, o superávit primário está minguando e o déficit nominal crescendo. As receitas da União apresentam modesto crescimento real, enquanto os principais itens de despesas, com exceção de pessoal e encargos, avançam a dois dígitos. As desonerações, por outro lado, tiveram impacto maior do que o previsto e somarão R$ 80 bilhões este ano, com tendência a aumentar em 2014, pela ampliação do número de setores beneficiados.
O fato é que o montante de receitas correspondente à renúncia fiscal com as desonerações é a grosso modo suficiente para, junto com os R$ 27 bilhões de superávit realizado até setembro, atingir a meta fiscal prometida para 2013, de 2,1% do PIB (ou cerca de R$ 107 bilhões). Isso indica que a situação fiscal não é um desastre, embora a insistência nesses expedientes possa levá-la a isso.
Se o governo fosse claro em suas metas, transparente em sua execução e cumprimento, grande parte do ruído em torno da questão teria se dissipado. Mas as metas fiscais ficaram saltitando de um percentual a outro (na LDO, 3,1% do PIB, no anúncio tardio do Ministério da Fazenda, 2,1% do PIB) até que se chegasse a uma execução de fato na casa dos 0,8% até setembro.
A falta de sinalização fiscal – ou a existência de várias, simultâneas e diferentes, como se viu nas declarações de membros do Executivo nos últimos dias – persegue o governo Dilma e não sem razão. Ele preferiu concentrar-se nos estímulos à economia, sem se preocupar com custos, deixando no ar que equilíbrio fiscal não é prioridade, nem goza de aberta popularidade em um governo petista (o que faz sentido, considerando-se a ideologia do PT). É plenamente aceitável, e crível economicamente, um esforço fiscal menor, desde que os motivos sejam bons e claros. Não foram exatamente bons, não houve clareza e o resultado foi que os mercados passaram a colocar em dúvida a sustentabilidade da dívida. A conta da desarrumação econômica, que não se restringe à área fiscal, chegou. O governo precisa recolocar as peças no lugar certo e um bom começo seria apontar aonde pretende ir com sua política fiscal, agora e no médio prazo.
Fonte: Valor Econômico
Via: http://www.spednews.com.br/11/2013/dissonancia-fiscal-alimenta-desconfianca-dos-mercados