AM: Governo quer recuperar R$ 513 mi de ICMS não pagos por empresas do AM
Do volume de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) declarado por empresas ao Estado, ao longo dos anos, ao menos R$ 513 milhões não pagos ao Fisco estão sob suspeita de crime contra a ordem tributária. A afirmação é da procuradora Karina Salama, representante da Procuradoria Geral do Estado (PGE) no Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira). O órgão começou neste mês a investigar as 20 maiores empresas sonegadoras do Amazonas.
A procuradora afirma que o Estado e a sociedade são lesados sempre que a empresa cobra o ICMS e não repassa ao Estado. De acordo com ela, a utilização do ICMS para pagamento de despesas com pessoal e com fornecedores, por exemplo, configura ilegal e imoral financiamento público de atividade privada. “Esse, aliás, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, afirma.
Das 20 empresas sob suspeita de crime fiscal, ao menos três casos da indústria já estão com processos em andamento por uso irregular de incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus (ZFM). Juntas, elas somam quase R$ 300 milhões de tributos e contrapartidas sonegados ao Estado, segundo o promotor de Justiça da 8ª Promotoria Criminal, Daniel Leite Brito, representante do Ministério Público do Estado do Amazonas (MPE-AM) no comitê.
Das três empresas, uma é suspeita de sonegar mais de R$ 200 milhões. Para resguardar as investigações, todos os nomes das empresas estão sob sigilo. “Fato é que algumas empresas conseguem o benefício e não cumprem com obrigações como os fundos estaduais. Outras, além de não cumprirem com as contrapartidas, também não recolhem o imposto”, comenta.
Criado em abril deste ano, o Cira anunciou as primeiras investigações no fim de julho, com objetivo de combater os crimes fiscais contra o Fisco estadual. Daniel Leite avalia que a grande vantagem do comitê que reúne forças como a Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas (Sefaz-AM), a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e o MPE-AM é que agora será possível ter acesso às informações antes que a sonegação se torne uma dívida inacessível. “Agora é possível evitar que essa dívida acumulada e se torne mais irrecuperável”, avalia.
Neste primeiro momento, o foco do comitê são as empresas com os maiores valores de sonegação, de acordo com o chefe do departamento de fiscalização da Sefaz-AM, Allan César Monteiro Corrêa. “As primeiras ações do comitê serão dirigidas aos grandes devedores do Fisco estadual, com valores já inscritos em dívida ativa ou com autuações fiscais em fase final de julgamento administrativo”, diz Allan Corrêa.
O representante da Sefaz-AM observa que, ao considerar a seleção criteriosa dos valores que serão objeto de atuação do comitê, a expectativa é que a maior parte dos débitos seja quitada sem a necessidade de abertura da ação penal. Por outro lado, aos que se mantiverem em débito com o Estado, será apresentada ação penal pelo Ministério Público do Estado do Amazonas, por crime contra a ordem tributária, nos termos da lei nº 8.137/90.
De acordo com Allan Corrêa, as primeiras audiências do Cira serão realizadas já neste mês de agosto. Ele explica que os contribuintes suspeitos de sonegação serão intimados a comparecer junto aos representantes da Sefaz-AM, Procuradoria Geral do Estado, Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP) e MPE-AM. “Momento em que ele terá a oportunidade de regularizar o débito tributário com o Estado. Em não se obtendo o resultado esperado na audiência, o próximo passo é a apresentação da ação penal contra a empresa sonegadora”, afirma.
Em termos de condutas infratoras de sonegação fiscal, Allan Corrêa observa que as formas são variadas, mas todas com o objetivo de não pagar o tributo ou reduzir o valor por meios ilícitos, como crime de lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio. “A atuação do Cira se dará sobre aquelas que apresentam valores expressivos sonegados, assim como os que tenham origem em fraudes estruturadas e/ou operações complexas e ilegais que tenham por fim o não pagamento do tributo devido”, explica.
Antes da instituição do Cira, o representante da Sefaz-AM conta que a pasta vem aprimorando ao longo dos anos mecanismos de controle e repressão junto aos contribuintes. Entre as estratégias do Estado para combater a sonegação, ele aponta a cobrança de débitos declarados ou notificados para pagamento e não quitados, com a inscrição em dívida ativa ou a lavratura de autos de infração, o monitoramento de grandes contribuintes e o cruzamento de informações por meio das diversas bases de dados fiscais.
Prisão e multa
O empresário que sonega o Fisco tributário, segundo procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Amazonas, Fábio Monteiro, pode receber como punição da Justiça a pena de prisão de 2 a 5 anos por prática de crime contra a ordem tributária, bem como a de multa, revertida para o Fundo Penitenciário, e de seis meses a 2 anos por crimes da mesma natureza. Mas, no geral, o procurador frisa que é um crime perdoável em caso de quitação do débito antes da apresentação da denúncia à Justiça.
“O empresário que pagar o débito com fisco estadual vai responder por crime contra a ordem tributária. O Ministério Público terá que denunciá-lo porque a lei não nos permite conceder perdão. Mas, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) entende que, se houver a quitação do débito, antes do oferecimento da denúncia, se extingue a punibilidade. Se ele não pagar, evidentemente ele será processado”, explica procurador-geral de Justiça.
Monteiro observa que o “perdão” do STF aos crimes contra a ordem tributária se dá, uma vez que eles não são considerados no meio jurídico como crimes de grave ameaça. “Por que o empresário vai ser processado? Por que ele não pagou o tributo? Ora, se ele pagar, em tese a coisa se resolveria. Agora, por que se extingue a punibilidade, uma vez que ele praticou um crime? Porque não é a mesma coisa de matar ou estuprar alguém”, explica.
O procurador-geral de Justiça conta que, quando ele coordenou no Estado do Amazonas o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), de 2011 a 2014, em encontros com representantes de Gaecos de outros Estados, ele conheceu medidas similares ao Cira já implementadas em outras Unidades da Federação.
Segundo ele, os Gaecos existentes em todos os MPs do país, vinculados aos gabinetes dos procuradores-gerais dos Estados, se reúnem em torno do Grupo Nacional de Combate as Organizações Criminosas (Genicoc). “Nas reuniões do grupo nacional, muito se falava sobre parceria entre os Ministérios Públicos e as secretarias de Fazenda e as procuradorias gerais dos Estados. Mostrando inclusive resultados exitosos de recuperação de ativos”, conta.
Mais instrumentos
Para Monteiro, o comitê que reúne hoje o Estado e o órgão ministerial é bom para ambos os lados, uma vez que o primeiro precisa de instrumentos de recuperação de ativos que, isoladamente, ele não tem. “Instrumentos legais de cobrança, de identificação que o Ministério Público tem por força de lei, diferente do Estado, que tem limitações na esfera administrativa do Poder Executivo”, explica.
O procurador avalia que, sem a parceria entre os órgãos, muitas vezes informações importantes chegavam tarde ao órgão ministerial. “Se essa comunicação já existisse, no momento em que administrativamente a Secretaria de Fazenda estava analisando a situação de um devedor do fisco, com montante significativo, que não consegue o encontrar, nós [Ministério Público] teríamos a condição de, em tempo hábil, identificá-lo”, afirma.
Fábio Monteiro explica que, quando administrativamente o Estado não consegue encontrar o empresário devedor, e encaminha à Procuradoria Geral do Estado, e o Ministério Público instaura um Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Com autorização judicial, o órgão ministerial pode, por exemplo, fazer pedido de busca e apreensão, quebra de sigilo bancário, telefônico, interceptação telefônica.
“Fazendo o cruzamento de dados, em determinados equipamentos, como o laboratório de lavagem de dinheiro que nós temos no MPE-AM, se tem condição de saber qual era o CPF do sócio majoritário e esse CPF ele não vai apagar. Já o CNPJ da tal empresa em muitos casos ninguém consegue mais identificar quando ela não está mais em funcionamento”, observa o procurador-geral de Justiça.
Monteiro diz que, com o cruzamento de dados, é possível saber se o sonegador abriu uma outra empresa e até mesmo os bens vinculados a ele e as pessoas próximas, como parentes. “Temos inclusive instrumentos para identificar se aquele CPF tem imóvel comprado, ainda que financiado e não entregue ou gastos com cartão de crédito. E os cruzamentos de dados só podem ser feitos com autorização judicial dentro de uma investigação criminal”, aponta.
O MPE-AM terá instrumento jurídico a disposição para poder localizar e notificar esse cidadão. Vamos mostrar o débito que ele tem e dizer que temos indícios de autoria e provas de materialidade, mas procure o fisco e faça um acordo lá e traga a certidão aqui que estará extinta a punibilidade. Esse cidadão de bem foi identificado e, em pagando débito que ele tem com o Fisco, ele não será processado.
Fonte: Em Tempo