O limite na busca da economia tributária

Como sabido, não há ilicitude na busca da redução da carga tributária. No entanto, tal prática torna-se ilegítima quando os contribuintes adotam a prática de atos abusivos que, mesmo embora formalmente válidos, não o sejam em sua substância, configurando assim a elisão fiscal abusiva.

Não obstante todas as controvérsias e nuvens que existem em relação à efetiva aplicação da teoria da “substance over form” no Brasil, assim decidiu turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, quando do exame de situação na qual a contribuinte autuada buscou economia tributária, afastado seu propósito das características de necessidade, normalidade e usualidade (acórdão 9101-002.880), reconhecendo-se como simulada operação ficta levada a efeito sem o devido propósito negocial.

Contra a contribuinte promoveu-se a exigência de IRPJ pela alegada indevida – dedução de seu lucro real e da base de cálculo de CSLL – de despesas para com o pagamento de comissões a empresa terceira, contratada para a prestação de serviços de assessoria comercial.

Ocorre que, conforme comprovado pela fiscalização, (i) a operação contratada o foi realizada por pessoas jurídicas com mesmo controle societário; (ii) a sede da prestadora de serviços estava inativo; (iii) os funcionários da contratada era em verdade colaboradores da contribuinte autuada e prestavam serviços em sua sede; e, “os recursos pagos pela contribuinte à prestadora posteriormente retornavam ao patrimônio da primeira por meio de contratos de mútuo e de cessão de créditos celebrados entre as empresas do grupo econômico.

Tal planejamento tributário configurado em operações de segregação de atividades comerciais, desconstruído pela fiscalização e posteriormente endereçado como prática de elisão fiscal abusiva, teria sido realizado com o escopo da contribuinte autuada – tributada na sistemática do lucro real –  transferir de modo indevido parte de seus lucros para tributação na prestadora de assessoria comercial, optante do regime do lucro resumido.

Dessa forma, configurada estaria a abusiva redução dos tributos devidos por aquelas empresas, em flagrante cometimento de fraude, uma vez que a inexistente empresa de assessoria comercial percebia valores por serviços prestados em conluio com a contribuinte autuada, cujos sócios – comuns – agiam de forma livre, consciente e com o fim abusivo de obter a redução da carga tributária daquele grupo econômico.

Em análise por turma ordinária do CARF, foi decidida pela ausência de simulação ou fraude ante a verificação de que os negócios jurídicos estabelecidos foram realizados de pleno acordo com a legislação vigente.

Em sede de recurso especial interposto pelo Fisco, após extenso registro sobre a votação quanto ao conhecimento do apelo especial julgado, que entendemos em boa parte se confundiu com o exame meritório do recurso manejado, delimitou  CSRF a análise da questão posta para julgamento, firmando entendimento então que era merecedora de revisão e reforma a decisão ‘a quo’, pois ao contrário do entendimento da segunda instância ordinária, “há muito a ordem jurídica nacional considera ilícita a lesão a direitos de terceiros perpetrada por meio da prática de atos que, embora formalmente legais, sejam desprovidos de substância.”

E a abusividade da operação levada a efeito, pela contribuinte autuada e sua prestadora de serviços de assessoria comercial restou configurada, no entendimento da CSRF, pois, (i) embora formalmente existisse, a prestadora de serviços não desenvolvia quaisquer atividades econômicas; (ii) o imóvel onde a prestadora deveria exercer suas atividades encontrava-se fechado e nunca fora utilizado, conforme verificação junto a administradora daquele bem; (iii) sua constituição deu-se com a finalidade de proporcionar redução de carga tributária para o grupo econômico ao qual estava atrelada; (iv) os empregados da assessoria comercial foram transferidos para a contribuinte autuada, desconhecendo o endereço e/ou as atividades que essa exercida; (v) a contabilidade registrava a prestação de serviços unicamente da prestadora para a autuada, com anotações de que “o pagamento das despesas com a prestação do serviço, eram compensadas por entradas de numerário em seu caixa, fruto de mútuos concedido” pela prestadora de serviços; e, (vi) a prestadora de serviços cedia o crédito oriundo dos contratos de mútuo em favor da contribuinte autuada.

Assim, embora formalmente válidos, verificou-se que a situação fática não refletia a documentação analisada, especialmente pela inutilização do imóvel de sede da empresa contratada para os serviços de assessoria comercial, assim como pela existência de mútuo entre as empresas a compensar o custo dos serviços prestados, de modo que, ao fim ao cabo, entendeu-se que não seriam efetivas as despesas incorridas.

O conjunto probatório foi esclarecedor para que se revelasse o real objetivo da operação constituída pela contribuinte autuada que, antes de poder ter sido enquadrado como planejamento tributário e econômico lícito, transmutou-se e foi considerada prática elisiva fiscal abusiva.

Concluindo à unanimidade pela ocorrência de simulação em face de operação fraudulenta engendrada, o colegiado então determinou o retorno dos autos à turma ordinária em segunda instância administrativa, para que temas pendentes de análise fossem julgados, sob pena de incorrer em supressão de instância e futura decretação de nulidade do processo administrativo.

Fonte: JOTA