A tributação indevida na transformação de fundos de investimento

A recém-publicada Medida Provisória nº 806/2017, conhecida como “pacote de maldades”, trouxe diversas alterações na tributação dos fundos de investimentos fechados e em participações, impactando de forma significativa o mercado de fundos de investimentos.

Diante da incerteza da conversão em lei da referida medida, diversos contribuintes estão analisando alternativas para reestruturar suas operações e evitar os possíveis impactos negativos trazidos pela MP. Uma destas alternativas é a transformação, quando possível, dos fundos de investimento atingidos pela nova medida para fundos que estejam fora de seu alcance.

Atualmente, tanto a transformação de fundos de investimento quanto os demais eventos de reestruturação – incorporação, fusão e cisão – são eventos autorizados e regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários, mas cujo tratamento tributário carece de previsão legal expressa.

Diante desta lacuna legislativa e de forma nada surpreendente, a Receita Federal do Brasil disciplinou, por meio da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015, o único tratamento tributário previsto para os referidos eventos de reorganização de fundos de investimento. Não obstante, é importante lembrarmos que as Instruções Normativas são atos infralegais e, como tais, não possuem capacidade de inovar no ordenamento jurídico, mas apenas de interpretar as normas já existentes no mundo jurídico. Se houver inovação por parte da Instrução Normativa, estaremos diante de uma afronta ao princípio constitucional da legalidade tributária.

Nos casos de incorporação, fusão e cisão, a IN nº 1.585/2015 estabelece em seu artigo 13 que estes eventos não implicarão em obrigatoriedade de resgate de cotas e, consequentemente, não estarão sujeitos à tributação, desde que, cumulativamente, (i) o patrimônio do fundo seja transferido para o fundo sucessor, (ii) não haja qualquer disponibilização de recursos ao cotista ou transferência de titularidade das cotas e (iii) a composição da carteira do novo fundo não enseje aplicação de regime de tributação mais benéfico.

Por outro lado, o evento de transformação não foi mencionado na regra acima, mas uma de suas hipóteses recebeu tratamento específico no artigo 12, que determinou que “na transformação de fundo de investimento com prazo de carência para fundo sem prazo de carência, haverá incidência do imposto sobre a renda (…) na data da transformação, se esse evento abranger todos os cotistas (…) [ou] na data de vencimento da aplicação, se a transformação ocorrer em função de cada certificado ou cota”.

Ou seja, enquanto o artigo 13 traz requisitos de não incidência de tributação nos casos de incorporação, fusão e cisão de fundos de investimento, quando atendidos os requisitos elencados na norma, o artigo 12 estabelece os critérios – na visão da Receita Federal do Brasil – em que haverá incidência de tributação nos eventos de transformação. E este critério, como acabamos de ver acima, se aperfeiçoa na transformação de fundo de investimento com prazo de carência para fundo de investimento sem prazo de carência. Dito de outra forma, pode-se entender que, para todos os demais casos que não sejam de transformação de fundos com prazo de carência para fundos sem prazo de carência, não há que se falar em tributação do evento.

Logicamente, a interpretação acima leva em consideração o próprio mecanismo de funcionamento dos fundos de investimento e o tratamento tributário legalmente previsto para eles. Entretanto, diante da falta de previsão legal expressa e de clareza nas disposições encontradas na Instrução Normativa, há receio por parte dos administradores de fundos de investimento de que as autoridades fiscais exijam o pagamento de tributos no evento de transformação em qualquer circunstância, até mesmo naquelas que extrapolem a previsão contida no referido artigo 12.

Seja qual for a melhor interpretação acerca dos dispositivos da Instrução Normativa nº 1.585/2015, resta claro que ela viola o princípio constitucional da legalidade tributária ao instituir a tributação sobre eventos que a própria lei não considerou. Por óbvio, em não representando evento de liquidez, tampouco de disponibilidade, a simples transformação não pode ser vista como fato gerador do IRRF. Provavelmente, em razão desta clara violação, que a Medida Provisória nº 806/2017 está buscando, por meio de seu artigo 4º, introduzir na legislação (em sentido estrito) a tributação dos eventos de incorporação, fusão, cisão e transformação.

Artigo por Estevan L. Paredes Leal – Advogado do escritório Bichara Advogados em São Paulo

Fonte: JOTA