Marco Aurélio Greco: é preciso cuidado com ‘obsessão pelas sanções’ tributárias

Em palestra sobre direito tributário, o jurista Marco Aurélio Greco alertou que a aplicação excessiva de multas dificulta que as penalidades exerçam funções de reprimir práticas indevidas e educar contribuintes quanto à conduta mais correta. “Temos que ter cuidado em não cair na obsessão pelas sanções. A sanção tem uma função importante, mas não resolve o problema da perda de arrecadação. Se resolvesse não teríamos tantos Refis em que a primeira coisa a ser afastada é a penalidade” afirmou no 2º Seminário de Questões Controvertidas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), organizado pela Comissão Especial de Assuntos Tributários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro e pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).

Com o apoio do JOTA, o encontro ocorreu de 26 a 27 de abril na capital fluminense e reuniu advogados, procuradores, auditores fiscais e julgadores do Carf e das Delegacias Regionais de Julgamento (DRJ). Respeitado dentro da Receita Federal e citado em autos de infração, Greco discursou para uma plateia que encheu o auditório da Firjan com capacidade para cerca de 300 pessoas, de acordo com a organização do evento.

Autor de livros tidos como referência no setor, Greco também criticou o modelo por meio do qual os auditores fiscais calculam o tributo devido e já aplicam a multa, como ato unilateral a ser revisado por órgãos como as DRJs e o Carf. Segundo o professor, o Código Tributário Nacional (CTN) separa a pretensão de arrecadar da pretensão de punir. Dessa forma, Greco propõe que a função dos auditores fiscais se limite a determinar a tributação e apenas propor a multa.

“Hoje o julgador precisa ter razões suficientes para derrubar a penalidade. Em outra hipótese, precisaria ter razões suficientes para punir. Uma coisa é desfazer o que está feito, e outra é fazer positivamente o que acha adequado. Me incomoda profundamente ver o exercício da função de arrecadar se transformando na função de punir”, esclareceu Greco.

Por outro lado, o auditor da Receita Federal Flávio Lázaro, lotado na delegacia de Nova Iguaçu (RJ), argumentou que o lançamento de multas pelo órgão está disciplinado pela legislação. Ainda segundo ele, a possibilidade de revisar as autuações em processos administrativos garantiria o direito à ampla defesa e ao contraditório. “Isso mostra a preocupação do fisco em mostrar por um lado o rigor no lançamento e por outro a preocupação em discutir as questões fáticas e de direito”, disse.

Além disso, Lázaro lembrou que a fiscalização de grandes contribuintes, sujeitos a autuações com valores maiores, dificilmente é realizada por um único auditor. “Por segurança institucional, a autuação tem que ser vista, revista e assinada por dois ou três auditores, de forma colegiada”, descreveu.

Julgador da 1ª Seção do Carf, o conselheiro Luis Fabiano Alves Penteado acredita que às vezes a multa qualificada – de 150% – é aplicada de forma abusiva. “Com a complexidade da legislação, o contribuinte pode ser levado à dúvida. Se a opção adotada é dada como incorreta ou ilegal, o erro não deveria levar o contribuinte a ser tratado como um infrator”, argumentou.

Sócio do escritório Mattos Filho, o advogado João Marcos Colussi também criticou a manutenção frequente de multa qualificada pelo Carf em casos relacionados à amortização de ágio gerado em reestruturações societárias ou privatizações. Segundo Colussi, autoridades que ultrapassam limites legais na cobrança de tributos poderiam responder pelo crime de excesso de exação, tipificado pelo artigo nº 316 do Código Penal.

“Às vezes o lançamento não tem nem a preocupação de provar que houve dolo, conluio, simulação ou prática reiterada, e inclui pessoas físicas que por vezes não têm qualquer relação com a cobrança. A ânsia de abastar os cofres da União é legítima, desde que se respeite a Constituição”, ponderou.

Graduação de multas

Além de criticar a sistemática para aplicação das multas, o professor Marco Aurélio Greco defendeu que as sanções devem ser estabelecidas de acordo com a situação de cada contribuinte. A graduação das penalidades, segundo Greco, poderia ser medida em função de fatores como a intensidade do dolo, a participação do contribuinte na fraude e a consciência da ilicitude.

Segundo Greco, a Constituição determina que as penas devem ser definidas de forma individualizada, o que não estaria em sintonia com sanções em percentuais únicos de 75% e 150% estabelecidos no direito tributário. De acordo com ele, a proporção de 75% definida pela lei não seria obrigatória, mas funcionaria como um teto para a multa proposta pelos auditores.

Por outro lado, o conselheiro Flávio Franco Correa, da 1ª Turma da Câmara Superior do Carf, entende que a graduação de penas levaria os auditores desrespeitariam leis como a nº 9.430/1996, que determina percentuais fixos para as penalidades. “O fiscal está vinculado ao que está na lei. Não existe previsão legal para graduar a multa como existe, no direito penal, a dosimetria da pena”, explicou.

Nesse sentido, o delegado adjunto da Delegacia de Maiores Contribuintes do Rio de Janeiro, Sérgio Magalhães Lima, entende que a proposta poderia funcionar caso fosse disciplinada por uma lei ordinária que estabeleça critérios objetivos para definir diferentes percentuais. “A lógica é brilhante, mas depende de mudança na lei. Senão [o julgamento] na subjetividade aumentaria a insegurança jurídica”, ponderou.

O conselheiro Luis Fabiano Alves Penteado, da 1ª Seção do Carf, considera acertado mudar a legislação para permitir graduar as multas com base na gravidade da conduta adotada pelo contribuinte. “[A empresa] vai do céu ao inferno – de 75% para 150% – em uma só passagem. E não que 75% seja céu”, esclareceu.

Sócio do escritório Vella Pugliese Buosi Guidoni Advogados, o advogado Antonio Carlos Guidoni Filho também apoiou a proposta. Ainda, lembrou que os contribuintes têm dificuldades para discutir as multas no Judiciário pela necessidade de apresentar a garantia financeira desde a primeira instância. Diante disso, sugeriu que o contribuinte só precise disponibilizar os valores a partir da segunda instância. “Isso ampliaria o direito de defesa. É muito caro para os contribuintes e muitos não conseguem custear”, afirmou.

Organizador do evento e sócio do escritório BMA Advogados, o advogado Maurício Faro argumentou que é fundamental promover esse tipo de debate entre representantes do fisco e dos contribuintes e reconhecer a importância das discussões tributárias feitas com profundidade no Carf. “O tema que é julgado com cuidado é bem julgado, independentemente do resultado”, concluiu.

Fonte: JOTA