Fux mostra benefícios e questionamentos da inteligência artificial no Direito
Os sistemas de Inteligência Artificial trazem diversos benefícios à prática do Direito, especialmente em relação à automatização de atividade repetitivas, proporcionando maior agilidade e precisão. Entretanto, os impactos que as novas tecnologias vêm produzindo na sociedade igualmente levantam uma série de questionamentos ético-jurídicos na seara regulatória.
A avaliação é do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, que elaborou um ensaio sobre o reflexo da Inteligência Artificial no Direito. O material seria apresentado em palestra nos Estados Unidos, à qual, por problemas pessoais, o ministro não pôde comparecer.
Fux divide seu trabalho em três partes: o alcance e o escopo da aplicação da Inteligência Artificial no mundo jurídico; desafios e problemas éticos relacionados à regulação dessas novas tecnologias; e exemplos de sucesso da aplicação dessa tecnologia no Judiciário brasileiro.
Em relação ao primeiro tópico, o ministro aponta alguns casos de como a Inteligência Artificial tem sido aplicada no mundo jurídico, como o advogado-robô Ross, criado pela IBM e usado por uma das maiores bancas dos Estados Unidos, a Baker & Hostetler.
“Nesse escritório, o robô Ross analisará passagens relevantes de casos ou leis para que os advogados não tenham que gastar mais tempo que o necessário encontrando a legislação aplicável e jurisprudência sobre o assunto”, explica. Outra função da Inteligência Artificial destacada pelo ministro é a revisão de contratos.
Indo além do direito empresarial, Fux cita que a tecnologia tem sido aplicada também em outras áreas como o Direito de Família. Como exemplo, ele cita uma plataforma que auxilia casais a preparar todos os documentos necessários para o divórcio.
Ética e direitos fundamentais
O ministro explorou também os desafios regulatórios para a Inteligência Artificial no Direito, lembrando que, nos últimos anos, muito se tem discutido a respeito da necessidade de regulação de novas tecnologias.
“A questão, porém, permanece em aberto: (a) seria necessária a criação de normas e de institutos específicos para tratar de matérias relativas à inteligência artificial ou (b) dever-se-ia adequar as novas tecnologias aos institutos já existentes por meio de interpretação?”
Ao desenvolver esse tema, o ministro apresenta quatro áreas que têm levantado questionamentos de natureza ética-jurídica: (i) a responsabilidade civil por atos autônomos de máquinas; (ii) a proteção de Direitos Autorais e a produção de obras por máquinas; (iii) a noção de devido processo legal e de isonomia perante possíveis vieses algorítmicos; (iv) o direito à privacidade e a utilização de dados pessoais por sistemas de Inteligência Artificial.
“Não há dúvida de que quanto mais autônomo for o robô, menos poderá ser encarado como um simples instrumento nas mãos de outros intervenientes, como o fabricante, o operador, o proprietário, o utilizador, etc”, diz o ministro ao falar sobre responsabilidade civil.
Quanto aos direitos autorais, o Fux destaca que práticas como pintura ou composição de música e textos, que foram fruto exclusivo do intelecto humano, cada vez mais têm sido delegadas aos computadores. Nessas hipóteses, questiona, a quem pertencem os direitos autorais dessas obras?
No Brasil, explica, segundo a Lei de Direitos Autorais, somente pode ser considerado autor de uma obra a pessoa física que a produziu. Dessa forma, o robô não poderia ser o autor dessas.
O uso de algoritmos também é abordado pelo ministro, que cita o uso de uma ferramenta pelo Poder Judiciário nos Estados Unidos que calcula a probabilidade de algum indivíduo ser reincidente, bem como sugere qual tipo de regime/supervisão ele deveria receber na prisão.
Durante o julgamento do uso desse software, o então Advogado-Geral da União dos EUA, Eric Holder, afirmou que estudos vêm se preocupando cada vez mais com a existência de vieses algorítmicos em relação a tais sistemas de inteligência artificial, em especial no tocante ao quesito raça.
“Em face de os vieses se apresentarem como uma característica intrínseca do pensar humano, pode-se concluir, de igual modo, que um algoritmo criado por seres humanos enviesados provavelmente padecerá do mesmo ‘mal’, não de forma proposital, mas em decorrência das informações fornecidas ao sistema. Dessa maneira, surgem os chamados vieses algorítmicos, que ocorrem quando as máquinas se comportam de modos que refletem os valores humanos implícitos envolvidos na programação, então, enviesando os resultados obtidos”, explica o ministro.
O último ponto comentado por Fux em relação a ética e direitos fundamentais trata da privacidade dos dados pessoais e o comércio desses dados.
“Já sabemos que existem programas que conseguem perceber nossos padrões de comportamento na internet (o que pesquisamos, o que compramos, quais são os nossos interesses). Essa habilidade, conhecida como pattern recognition, torna a fronteira entre a vida pública e privada cada vez mais tênue, e, muitas vezes, acabamos compartilhando informações sem consentir”, afirma.
Por esse motivo, conta o ministro, o Brasil promulgou a Lei 13.709 (Lei de Geral de Proteção de Dados) dispondo sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Exemplos de sucesso
Na última parte de seu ensaio, Fux apresenta casos em que a inteligência artificial tem sido bem aplicada no Judiciário brasileiro. Entre eles, cita o robô Victor, usado pelo Supremo Tribunal Federal.
O projeto, explica, se utiliza justamente do mecanismo de aprendizado de máquina (machine learning) a fim de dinamizar a avaliação do enquadramento dos recursos em relação aos principais temas de repercussão geral fixados pelo tribunal, bem como separar e classificar as peças mais relevantes do processo judicial.
Entre as funções do robô está separar e classificar as peças processuais mais utilizadas nas atividades do STF. Somente nesse ponto, a máquina consegue fazer em 5 segundos um trabalho que antes era feito por servidores em aproximadamente 30 minutos, representando grande economia na alocação de tempo de trabalho dos servidores especializados.
Outra função desempenhada pelo robô é identificar a incidência dos temas de repercussão geral mais comuns. Esse é outro ponto em que a tecnologia é avaliada com sucesso por Fux. Segundo o ministro, nesse ponto, o robô auxilia na resolução de cerca 10 mil recurso extraordinários que chegam ao STF.
“Cumpre ressaltar, entretanto, que a máquina não decide, tampouco julga. Afinal, isso é atividade humana. Em verdade, o objetivo do projeto é que as máquinas treinadas atuem em camadas de organização dos processos auxiliando com que os responsáveis pela análise dos recursos possam identificar os temas relacionados de forma mais clara e consistente, isto é, o intuito é auxiliar e não substituir os servidores”, esclarece.
Clique aqui para ler a íntegra da palestra de Fux.
Fonte: ConJur