STF analisa nesta quarta se sócio comete crime ao não recolher ICMS declarado
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve começar a julgar na tarde desta quarta-feira (10/12) se é crime de apropriação indébita tributária o não pagamento de ICMS, ainda que o imposto tenha sido declarado aos fiscos estaduais. Os ministros vão se debruçar sobre a controvérsia ao analisar o RHC 163.334, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que é o primeiro item da pauta do plenário.
Para os estados, que enfrentam grave crise fiscal, está em jogo parte da arrecadação do tributo que mais abastece os orçamentos locais. Dados enviados ao Supremo mostram que em 2018 a inadimplência do ICMS próprio declarado e não recolhido em 22 estados foi superior a R$ 12,7 bilhões.
Já sócios e administradores de empresas correm o risco de passar a responder criminalmente pelo não recolhimento dos tributos, mesmo que os valores já tenham sido informados regularmente aos fiscos estaduais.
O advogado Pierpaolo Bottini, que representa a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entidade que atua como amicus curiae no processo, lembrou que na prática nem sempre a acusação se direciona apenas contra as pessoas diretamente responsáveis pelo não pagamento do tributo.
“Não poderia acontecer no Direito Penal, mas às vezes acabam usando muito a responsabilidade objetiva sem grandes investigações sobre quem efetivamente tinha a atribuição de pagar o tributo. Isso é um problema sério porque se pode usar o Direito Penal para atingir indistintamente diversas pessoas, algumas sem relação com o não pagamento do tributo”, alertou.
Decisão do STJ e argumentos das partes
O caso em discussão no Supremo opõe comerciantes catarinenses e o Ministério Público do estado. Os empresários recorreram ao Supremo após uma derrota no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão de agosto do ano passado.
A 3ª Seção do tribunal superior, colegiado responsável por pacificar disputas em matéria criminal, entendeu que o não recolhimento do imposto pode levar a uma pena de seis meses a dois anos de prisão, e à aplicação de multa.
De um lado, os contribuintes defendem no Supremo que um crime tributário pressupõe fraude e omissão. Como os sócios cumpriram o dever de declarar o valor da dívida ao fisco, a defesa sustenta que não houve tentativa de ocultar o débito e que uma eventual condenação levaria a uma prisão por dívida, o que é proibido expressamente pela Constituição.
Para a defesa do contribuinte, se o STF considerar crime o não pagamento do ICMS declarado, o Direito Penal seria indevidamente transformado em um instrumento de cobrança de tributos.
Por outro lado, o Ministério Público argumenta que o contribuinte inadimplente está tomando para si um recurso que é de outros, o que seria suficiente para configurar o crime de apropriação indébita.
O MP entende que o ônus econômico do ICMS é repassado no preço, de forma que o custo relativo ao imposto teria sido arcado pelo consumidor e o dinheiro retido pelas empresas seria de propriedade dos cofres públicos. O fato de o contribuinte declarar o imposto devido, segundo o MP, não afasta a prática do delito.
Uma definição por parte do STF é importante para pacificar a questão. Respaldados pela decisão do STJ, os estados têm ampliado delegacias de repressão aos crimes tributários e criado varas específicas para analisar esse tipo de ação penal. Porém, ministros do Supremo têm concedido liminares a contribuintes para suspender as persecuções penais até a decisão do plenário.
Criminalização prejudicaria declarações de ICMS
O tributarista Igor Mauler Santiago, que defende um dos comerciantes que é parte no processo, enfatizou que a criminalização do não recolhimento de ICMS declarado incentiva que as empresas que enfrentam problemas de caixa decidam informar ao fisco um valor menor do que o efetivamente devido. “Esse precedente daria um tratamento pior ao sujeito que colabora com o fisco e um tratamento melhor àquele que se esconde”, ponderou.
Quando a empresa omite a dívida, o fisco deve cobrar os valores por meio de um auto de infração, que pode ser questionado na esfera administrativa. Durante o curso do processo administrativo, que costuma durar alguns anos, a súmula 24 do STF proíbe o início da persecução penal. “A primeira possibilidade é o cidadão sequer ser autuado. E, se for, ganha entre um e dois anos até enfrentar a ação penal. Até lá dá um jeito de pagar ou parcelar a dívida”, projetou Mauler.
Por outro lado, se o contribuinte cumpre o dever de informar os valores ao fisco regularmente e o não pagamento do ICMS for considerado crime mesmo quando há declaração, a fiscalização pode inscrever o débito em Dívida Ativa e processar os sócios criminalmente de imediato.
Fonte: JOTA