Criminalizar não pagamento de ICMS abre margem à perseguição de empresários

Não há dúvidas de que a criminalização do calote de impostos rebaixará o país ainda mais em ranking do Banco Mundial.

O STF (Supremo Tribunal Federal) está na iminência de criminalizar o não pagamento de imposto destacado em nota fiscal. As consequências são inúmeras e as mais preocupantes são o encarceramento e, em alguns casos, até a morte da galinha dos ovos de ouro.

A Corte criminalizou o “devedor contumaz” e, assim, não se considerará crime a mera inadimplência. As autoridades terão de comprovar a inadimplência reiterada; venda de produtos abaixo do preço de custo; criação de obstáculos ao fisco; utilização de laranjas; encerramento irregular com abertura de outras empresas.

Essa ressalva não traz segurança jurídica para o mercado, mas, ao contrário, produz uma série de incertezas e provoca inúmeras inquietações, pois da forma que está, a decisão dá sinal verde para a instauração de milhares de inquéritos policiais contra empresários que tenham declarado, e não quitado, seus impostos.

O “custo Brasil” já é elevadíssimo e quem afirma é o Banco Mundial. De acordo com o relatório Doing Business 2020, o Brasil caiu para o 124° no ranking dos países no mundo. A queda de posição se deve à burocracia e ao cenário de pagamento de impostos. Não há dúvidas de que a criminalização do não pagamento de impostos rebaixará, ainda mais, o Brasil.

Outro ponto é a morosidade do sistema investigatório e ju dicial brasileiro. O STF não impediu, expressamente, que inquéritos e ações penais sejam propostos sem provas. Ou, se fez, isso não está claro. Significa dizer que os empresários poderão sofrer persecução penal sem provas da prática de ilícito, ficando expostos e vulneráveis a procedimentos investigatórios. Só aquele que já respondeu a um inquérito policial ou a uma ação penal sabe da angústia diária dessa circunstância. Considerando o tempo de duração dessas ações, pergunta-se: quem irá arcar com os custos de defesa do procedimento penal durante o seu curso, mesmo que resulte em absolvição ou ausência de elementos para oferecimento de denúncia?

O STF também tolhe o direito de questionamento administrativo ou de acesso ao judiciário quanto a tributos. A existência de inquérito ou ação penal fará, no trade-off, com que o empresário, mesmo inocente (inadimplente eventual, por exemplo) ou que discuta a legitimidade de uma regra tributária, seja forçado ao pagamento do tributo, mesmo indevido, para preservar sua liberdade. Não se esqueça que é mais do que comum o contribuinte aguardar anos por definições dos Tribunais Superiores sobre exigência de tributos, sendo que não são poucas as vezes em que há ganho de causa aos contribuintes.

Além disso, criminalizar o não recolhimento de imposto declarado quando houver venda abaixo do preço de custo de aquisição, é interferir na condução normal nos negócios. É muito comum, no comércio, por exemplo, a liquidação das mercadorias, seja pela falta de demanda, seja pelo produto “fora de moda”. A conhecida “Black Friday” é o melhor exemplo desta prática. O STF vai, mesmo, criminalizar no Brasil, uma prática mundial do mercado de varejo?

A preocupação da Corte em apenar o sonegador contumaz, que claramente é mau empresário é louvável. No entanto, esta diretriz poderá impactar a economia e a livre concorrência, pois pode provocar duas situações: o devedor contumaz buscará, certamente, outros meios de burlar o fisco e abandonará a formalidade e, por outro lado, o ético e pequeno empresário, que não migrará para a informalidade, deixará de empreender na iniciativa privada e somará o banco dos desempregados. Se estiver discutindo tributos judicialmente, o que é legítimo, e estiver temporariamente sem causa de suspensão da exigibilidade, não poderá fazer liquidação de produtos encalhados, para não correr risco de perder sua liberdade?

A criminalização do devedor estratégico e contumaz deveria ser discutida no Parlamento. E é verdade que esta deliberação já começou, como, por exemplo, na Câmara o PL 1.646/2019, que define quem é este devedor.

Se, mesmo assim, o STF insistir na criação de um tipo penal pela via judicial, deverá, obrigatoriamente, deixar claro os critérios mínimos para instauração do inquérito; caso procedimentos sejam instaurados sem embasamento, responsabilizar agentes públicos de acordo com a Lei do Abuso de Autoridade e criminalizar a autoridade fiscal que cobrar tributo indevido, considerando tratamento simétrico entre contribuinte e autoridade fiscal.

Ainda há tempo para ajustes da decisão! Que a prudência e a coerência pairem sobre a Suprema Corte, evitando mais desincentivos ao ambiente de negócios, ou seja, o encarceramento e a morte da galinha dos ovos de ouro!

Fonte: Folha de S. Paulo

2 thoughts on “Criminalizar não pagamento de ICMS abre margem à perseguição de empresários

  1. Bom dia

    Acredito que seja um bom começo endurecer a lei para os que ferem a nação. Os impostos são utilizados para “cuidar do povo brasileiro” e quem não estiver fazendo o que a lei manda, precisa pagar. É crime.
    É lógico que não vão sair por aí multando todo mundo.
    Hoje em dia, com a nota fiscal eletrônica, fica fácil cruzar quando uma mercadoria foi adquirida pela empresa e quando ela foi vendida. E, principalmente por quanto ela foi adquirida.
    Então esse negócio de venda de mercadoria encalhada abaixo do preço de custo não cola.
    Nunca vi um empresário decente pagar por um crime que não cometeu.
    O que tem, infelizmente, são bons advogados que conseguem livrar os culpados de um crime que cometeram. Isso não significa que eram inocentes……
    O Brasil, no geral, precisa endurecer as leis e exigir que as mesmas sejam cumpridas. Eliminar brechas nas leis. Hoje para cada lei nova que sai, existe um “zilhão” se especializando em fazer brechas e como burlar essas leis.

    O empresário decente não tem o que temer.
    Assim como o cidadão decente nunca temeu a “ditadura”
    Muito pelo contrário, é grata por ela ter existido. Foi o período em que mais o Brasil avançou, em todos os sentidos.

    Att

    1. Prezada Elise, agradecemos sua manifestação.
      O Blog Mauro Negruni sente-se honrado em ser plural e defende a livre manifestação ponderada como a sua.

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