União cobra 17 bi de empresas sonegadoras do setor do cigarro

Depois de seis anos interrompido por pedido de vista, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar nesta quarta-feira (30/11) um julgamento que coloca em xeque uma lei com potencial de excluir do mercado fabricantes de cigarros inadimplentes com a Receita Federal. Indústrias tabagistas estão em lados opostos no litígio bilionário, em que se alega, por um lado, concorrência desleal e, de outro, sanção política para forçar o pagamento de tributos.

De acordo com a Fazenda Nacional, 13 indústrias foram fechadas nos últimos anos por não pagar impostos de forma reiterada. Juntas, elas devem R$ 17,3 bilhões. Com uma carga tributária de cerca de 70% sobre o maço de cigarro, empresas em dia com o Fisco argumentam que a sonegação fiscal é utilizada por concorrentes como estratégia comercial para derrubar o preço do produto. Desde junho, as empresas são obrigadas pela legislação a cobrar, no mínimo, R$ 5 pelo maço.

Em 2013, o Supremo determinou o cancelamento do registro especial da nona maior devedora da União, a American Virginia Indústria Comércio Importação. Segundo a Receita, a empresa deve mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos. Agora, no julgamento da ADI 3952, os ministros vão resolver a questão para todos os contribuintes.

“Depois da decisão do STF percebemos um movimento de saída dos fabricantes devedores contumazes para o Paraguai, por onde se tenta importar para o Brasil produtos falsificados via contrabando”, afirma o procurador-geral adjunto Claudio Seefelder, que chefia a representação da Fazenda Nacional no contencioso.

Apesar de envolver apenas os fabricantes de cigarros, o julgamento da ADI 3952 será um leading case para os setores de combustíveis e bebidas, em que também se exige registro especial para operar.

Requisitos

A partir do voto-vista da ministra Cármen Lúcia, os ministros do Supremo vão bater o martelo sobre a constitucionalidade do inciso II do artigo 2ª do Decreto-Lei 1.593, de 1977. A norma autoriza a Receita Federal a cancelar o registro especial de fabricantes de cigarros que não pagam tributos ou descumprem obrigações acessórias, como entrega de declarações.

Na prática, a ausência de registro especial impede as fábricas de funcionarem.

No início do julgamento, em outubro de 2010, o relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, condicionou o cancelamento do registro especial ao atendimento de três requisitos: a relevância do valor do débito e o devido processo legal para que a empresa possa recorrer da punição e também da cobrança dos impostos (Leia a íntegra do voto abaixo).

Em 2001, o governo alterou o decreto de 77 por meio da Medida Provisória 2152-35. Com isso, passou a prever que os fabricantes sejam intimados de sua situação fiscal e possam recorrer do cancelamento do registro especial.

Caso prevaleça a interpretação do ministro Joaquim Barbosa, especialistas afirmam que o Judiciário continuará analisando o caso a caso.

Sanção ou regulação?

O Supremo tem jurisprudência consolidada que impede a restrição de atividade empresarial como forma de forçar o pagamento de tributos pelo contribuinte. As Súmulas 70, 323 e 547, por exemplo, vedam a chamada sanção política. Mas a Fazenda Nacional tem defendido que, neste caso, o principio da livre iniciativa pode ser limitado por outros interesses sociais.

“O registro especial é condição para que se tolere a atividade econômica danosa à saúde pública, e adequada e necessária aos imperativos de saúde pública, defesa do consumidor, livre iniciativa e concorrência leal”, afirma Seefelder.

Para a advogada Ana Tereza Basílio, do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), “a grande importância do julgamento é relativizar a jurisprudência do Supremo que veda a restrição de direitos dos contribuintes para o pagamento de tributos”.

Basílio argumenta que além de impactar os cofres públicos, o não pagamento de impostos de forma reiterada vai contra a função extrafiscal da tributação. No caso dos cigarros, a alta carga tributária visa reduzir o consumo do produto e financiar a saúde pública.

Precedente

Em 2013, o Supremo chancelou o cancelamento do registro especial ao julgar o caso da fabricante de cigarros mais inadimplente do país (RE 550.769). Na ocasião, a maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, que reforçou sua posição sobre a constitucionalidade da cassação do registro especial, desde que observados os três requisitos.

“A meu juízo, o entendimento no sentido da inconstitucionalidade das sanções políticas não contempla o desrespeito reiterado à legislação tributária”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski.

Os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello ficaram vencidos. Entenderam que o fechamento da empresa seria uma espécie de sanção política.

“Trata-se de medida desproporcional e em frontal descompasso com os princípios constitucionais da livre iniciativa e do devido processo legal”, afirmou o ministro Gilmar Mendes, acrescentando que os efeitos da sonegação na concorrência não justificariam a medida.

A ministra Cármen Lúcia, que profere o voto-vista nesta quarta-feira, não participou do julgamento da American Virginia. Mas, ao pedir vista na ADI 3952, afirmou que dar interpretação conforme a Constituição em cada caso concreto “seria entregar ao administrador fazendário a aplicação da Constituição ou não”.

O Supremo ganhou dois novos integrantes de 2013 para cá: os ministros Roberto Barroso e Edson Fachin, que não votará no julgamento da ADI por ter substituído o relator, Joaquim Barbosa. O ministro Dias Toffoli está impedido no caso, e também não vai se manifestar.

Fonte: Jota