Taxa de SP leva clubes de futebol ao Judiciário
O futebol, paixão nacional que condiciona os torcedores a acelerados batimentos cardíacos, discussões efusivas em mesas de bar e sentimentos profundos de patriotismo em época de Copa do Mundo, também está em debate no Judiciário.
O motivo é a instituição da Taxa de Fiscalização e Serviços Diversos (TFSD) pelo Estado de São Paulo. Ela é cobrada pelo serviço de policiamento realizado para garantir a segurança dos estádios, mas causou incômodo aos times de futebol
Além de questionarem o valor da taxa, os clubes alegam que a cobrança seria inconstitucional.
O Esporte Clube XV de Novembro, de Piracicaba (SP), foi um dos primeiros a ingressar no Judiciário. O time obteve uma liminar, decorrente de mandado de segurança, que suspendeu a cobrança da TFSD. Times maiores, como o Palmeiras e o Red bull Brasil, também obtiveram a suspensão da taxa, com decisões proferidas em agosto pela 14ª e pela 2ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, respectivamente.
O Botafogo de Ribeirão Preto também foi ao Judiciário para conseguir a suspensão, mas não obteve sucesso, tendo seu agravo de instrumento rejeitado pela 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Taxa ou imposto?
Os advogados que defendem os clubes argumentam que a utilização da taxa de policiamento seria inconstitucional. Isso porque as taxas de serviço público precisam ser decorrentes de uma fiscalização específica e divisível, ou seja, deve ser possível identificar o usuário do serviço.
Um exemplo é a taxa de emissão de documentos, como carteira de identidade, CPF e RG. Quem paga por esse serviço é quem requereu a emissão do documento, e a taxa serve para cobrir esse custo. De acordo com Flávio de Haro Sanches, advogado que atuou nos casos do Palmeiras e do Red Bull Brasil, isso não ocorre com o policiamento dos estádios de futebol.
Para Sanches, que é sócio do CSMV Advogados, esse policiamento satisfaz um interesse geral da população e não de pessoas individualmente. A ausência da especificidade e individualização, exigido para a cobrança do tributo, violaria o art 145, II, da Constituição Federal. De acordo com o advogado do Palmeiras, o ideal para remunerar os policiais seria a cobrança de impostos, pois esse tributo é destinado ao custeio das despesas gerias do ente federativo.
“A criação da TFSD veio como uma forma de desafogar o orçamento, para recuperar custos que o Estado tem sem ser pela fonte ideal, os impostos”, afirmou.
Existem dois julgados no Supremo Tribunal Federal que consideram inconstitucional a cobrança de taxa pela prestação de serviço de segurança pública, ainda que requisitada por particular. Tratam-se da ADI 1.942 e do RE 536.639, analisados pela 2ª Turma. Os ministros decidiram, por unanimidade, pela ilegalidade da cobrança.
“A polícia militar é um efetivo que compõe a segurança do Estado, tudo aquilo que vem do Estado não é um serviço remunerado, ele compõe o orçamento. O que vai remunerar o policiamento dos eventos? Os impostos sem destinação específica, que, fazendo parte do orçamento, garantem que a polícia esteja no dia a dia das pessoas”, explicou Sanches.
A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo afirmou que ainda aguarda outros desdobramentos do referido processo para se manifestar nos próprios autos da ação.
O preço do policiamento
A gota d’água para que os clubes começassem a procurar o Judiciário foi o aumento na TFSD. A elevação foi decorrente da edição da Lei Estadual 15.266/13, que aumentou o valor de Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (Ufesps) pagas por hora de serviço para cada policial destacado para realização do policiamento nos estádios.
Ramon Bisson, advogado desportivo e gerente jurídico do XV de Piracicaba, estima que a alteração tenha importado em um aumento de 750% do valor da TFSD paga pelo clube.
“O nosso gasto com policiamento, que girava em torno de R$ 1 mil por partida, passou a ser de aproximadamente R$ 7,3 mil mensais”, afirmou Bisson.
Os valores pagos pelo Palmeiras e pelo Red bull Brasil também são altos. O mandatário do Allianz Parque dispensou cerca de R$ 1 milhão com a taxa só esse ano, e o time do famoso energético gastou quase R$ 300 mil nos últimos cinco anos.
Em 2014 o Botafogo de Ribeirão Preto chegou a adiar um jogo da Copa Paulista por se recusar a recolher a taxa. A partida foi realizada posteriormente, com seguranças particulares.
De acordo com Bisson, o assunto começou a ser discutido em 2016, embora a maioria dos clubes tivesse receio de entrar com a medida judicial e criar um mal-estar, principalmente com a polícia. Para o gerente jurídico a presença dos policiais é essencial para a efetiva segurança dos torcedores.
“O jogo sem policiamento é inviável. Existem experiências muito ruins com seguranças particulares, como o caso do Arena Joinville na disputa entre o Vasco e o Atlético Paranaense. Na Federação Paulista tem que ter polícia, se não tiver não tem jogo”, afirmou o gerente jurídico.
Em 2013, contando apenas com seguranças particulares, o Atlético Paranaense se viu em maus lençóis. Na partida contra o Vasco os seguranças não conseguiram conter a violência nas arquibancadas, o que deixou quatro torcedores feridos. Nesse caso, a polícia militar fez a segurança apenas da parte externa do estádio, ficando a parte interna sob a responsabilidade dos seguranças particulares.
Apesar das decisões terem sido em sua maioria favoráveis, pode-se considerar que a disputa entre os times de futebol e o Estado de São Paulo ainda está no primeiro tempo. Resta ver quem será o ganhador dessa partida.
Processos tratados na matéria
Processo nº 1035481-52.2017.8.26.0053
Processo nº 1044684-49.2017.8.26.0114
Processo nº 1016132-04.2015.8.26.0451
Agravo de Instrumento nº 2044602-86.2016.8.26.0000
Giovanna Ghersel – Brasília
Fonte: JOTA