Tabela de frete impacta negativamente na produtividade e é improviso

A greve dos caminhoneiros deixou algumas heranças para o país. Uma delas é o tabelamento de fretes, determinado pelo governo por meio de uma medida provisória e, após isso, convertida na Lei nº 13.703/2018. A ideia da norma era manter um valor mínimo para o transporte de cargas país afora, beneficiando os caminhoneiros. Porém, o tabelamento pode resultar no efeito oposto, afetando a produtividade, os preços dos produtos para o consumidor final e também, por consequência, para a economia do caminhoneiro.

A formulação da norma e suas consequências econômicas, jurídicas e políticas foram discutidas nesta quarta-feira (22/8) no seminário ‘Frete sem tabela, Brasil com futuro’, organizado por entidades da indústria e do agronegócio, como Confederação Nacional da Indústria (CNI), Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA), Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIED), Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CITRUS) e União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA).

O primeiro painel abordou a questão econômica e os “efeitos do tabelamento de frete na vida da população e empresas”. A mesa foi mediada pelo editor do Brazil Journal, Geraldo Samor. O sócio da Inter B. Consultoria, Cláudio Frischtak, destacou o baixo estoque de capital dedicado à infraestrutura no país. Segundo Frischtak, o país depositou 36% do seu PIB em infraestrutura quando esse número deveria orbitar nos 60%. Os maiores ‘hiatos’ estão no setor de transportes e, em segundo, em saneamento. Mesmo as rodovias, que são os segmentos mais desenvolvidos do setor de transportes, estão altamente dilapidadas.

Para Frischtak, o tabelamento “ignora as causas e agrava as consequências da crise. É uma regressão nos fundamentos de uma economia de mercado”. Para ele, o mercado precisa gerar produtividade e o tabelamento acabaria em não entregar isso ao estabelecer valores que não seguem os mecanismos de mercado.

O tabelamento seria, para ele, na prática, “uma nova forma de tributo aos produtores e aos consumidores. O tabelamento é, na realidade, um novo tributo, altamente distorcivo e ineficiente, para atender um grupo de interesses. Agrava o desequilíbrio e afeta a demanda. Se quisermos recuperar os investimentos e voltar a crescer, precisamos investir em infraestrutura e apostar no investimento privado”.

O sócio da GO Associados, Pedro Scazufca, destacou que o frete é uma atividade de mercado e que não há uma justificativa econômica para dedicar-lhe um tratamento diferenciado. Para ele, a iniciativa instala um ambiente de insegurança jurídica em relação a possíveis futuros tabelamentos, reduzindo a previsibilidade dos negócios. Scazufca também afirmou que essa incerteza pode levar a práticas pouco racionais, como a de montagem de frotas próprias, para o produtor que quer escapar do tabelamento.

No total, a greve dos caminhoneiros teve impacto fiscal da ordem de R$ 38 bilhões, entre prejuízos diretos e indiretos, segundo a análise do consultor. A expectativa de crescimento do PIB, que era de 3%, foi revisada para menos de 1,5%. Já o indicador de difusão da atividade econômica, calculado pela consultoria, mostrou uma desaceleração expressiva, passando de um patamar de 90% para 44%.

Jurídico
Na avaliação da ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, a Lei nº 13.703/2018, que estabelece os fretes mínimos em todo o país, tem “grandes chances” de ser declarada inconstitucional em face da vedação da livre concorrência.

Calmon e o advogado e ex-secretário nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, abordaram a atuação do poder judiciário e a insegurança jurídica no painel mediado pela jornalista Laura Diniz, sócia do JOTA.

Vasconcelos destacou que o ‘preço mínimo’ é conceitualmente um ‘cartel institucionalizado’ e provocaria um aumento de preços que o mercado, em livre concorrência, tenderia a otimizar. A iniciativa, para ele, não tem como alcançar a justiça de preços que o mercado faria. “As variáveis são tão numerosas que será impossível sair coisa boa”, destacou.

Para o ex-secretário, a fiscalização do cumprimento da tabela também é improvável. “Não é que a agência não tenha competência, ela não tem condição, é muita coisa. São várias as razões para a declaração de inconstitucionalidade: viola a livre iniciativa e concorrência frontalmente. Viola também o processo legal, atropelando os agentes e setores impactados”, enumerou.

Eliana Calmon avalizou as críticas sobre o desempenho das agências reguladoras acrescentando o viés político nas indicações às diretorias. “Não temos agências aparelhadas para fazer o papel mediador sob o ponto de vista técnico. Há muitas indicações políticas, pouca abertura. E temos também um Executivo que lava as mãos e impõe um tabelamento, uma solução eleitoreira, lembrando os fiscais do Sarney”, disse.

A ministra aposentada também elogiou a atuação do ministro Luiz Fux na questão dos fretes. “Está difícil do ministro Fux resolver a questão. De qualquer forma, ele está tentando não ser um aplicador da lei de forma tradicional, mas sim encontrar a melhor solução para o conflito”, relativizou. Ela ainda questionou a atuação do governo durante a greve de maio. “O governo quis dar uma solução rápida para um problema grave, por causa da pressão. Para não sucumbir, ele [o presidente] tentou tirar do seu colo a questão e impôs, no improviso, esse tabelamento”, afirmou a ministra.

Político
O deputado federal Evandro Gussi (PV-SP) criticou o tabelamento dos fretes e disse que “ as correções jurídico-políticas deveriam surgir para corrigir eventuais distorções do mercado, não para substituí-las”. Gussi foi um dos debatedores do terceiro painel do evento, que contou ainda com a participação do professor do Insper, Fernando Schüler, e com a mediação de Fernando Rodrigues, diretor do Poder360.

Ao falar sobre os impactos do tabelamento para o cenário político e institucional do país, Gussi e Schüle concordam que, dadas a conjuntura, a pressão midiática e popular, assim como os bloqueios nas rodovias, não havia outra alternativa ao governo que não ceder às demandas dos protestos dos caminhoneiros.

Porém, para ambos, a solução de tabelar o frete de forma improvisada e de cima para baixo, não é obra da inventividade da gestão atual, mas sim fruto de problema mais profundo e enraizado: um sistema político falido e povoado por partidos que não tem capilaridade na sociedade em geral.

O pluripartidarismo, por exemplo, seria um dos entraves para a construção de consensos e soluções políticas. “Em um sistema como esse, o resultado é o que estamos vendo aí. Soluções improvisadas, irracionalidade jurídico-econômica”, afirma Gussi. “O fim do tabelamento é uma prioridade após o período eleitoral. Foi uma bela tentativa de tentar resolver um problema e criar outros problemas, ameaçando a agroindústria brasileira”.

Já o professor e pesquisador Fernando Schüler destacou que o judiciário tem adotado uma posição de ‘poder moderador’ e uma decisão ‘surrealista’ como essa foi imposta pelo sistema político brasileiro. “Não é uma decisão do governo, isso é fruto do sistema político. Votou-se a medida em quatro horas, quase nenhum partido foi contra. Você tinha um governo assustado, com medo de cair, um suporte brutal da mídia e da sociedade”. A política de tabelamento desfrutava de um apoio geral e os setores de mediação estavam arruinados, segundo ele.

Para ele, a situação que vivemos é quase como um acidente de avião: uma série de erros sucessivos que leva a um desastre. “Somos uma democracia instável e de baixo consenso, onde há pouca capacidade de definir rumos, a começar pela dificuldade em definir até mesmo sobre o que deve se fazer”, disse. Para o professor, nesse quadro de debilidade, o judiciário tem a sedução de ser o moderador. “Lamento dizer que pressão social vale também para o Supremo. Uma visão do direito muito aberta, diferente de aplicação de lei. Eu temo as soluções que possam partir dali, a começar pela do tabelamento”, afirmou Schüler.

Lei do frete
O tabelamento foi feito pelo governo por meio de uma medida provisória que estipulou preços mínimos para o frete rodoviário de cargas em resposta à greve dos caminhoneiros. Recentemente, a medida foi convertida na Lei nº 13.703/18.

Publicada no Diário Oficial da União em 9 de agosto, a norma oficializou a “política de pisos mínimos do transporte rodoviário”. Na prática, a lei veio apenas formalizar o que já estava acontecendo desde a resolução ANTT nº 5.820. Tanto é que os valores dos fretes em vigor ainda seguem os mesmos já anunciados pela resolução de 30 de maio, que se originou com a medida provisória.

Com a lei, à ANTT foi atribuída a tarefa de publicar uma norma com os pisos mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, considerando as distâncias e especificidades das cargas. O processo de fixação dos preços mínimos deverá ser técnico, ter publicidade e participação dos representantes dos embarcadores, contratantes de fretes, sindicatos, entre outros. A agência, igualmente, ficará responsável por ouvir todos esses setores.

São cinco tipos de carga considerados: geral, frigorificada, perigosa, granel (sem marca ou contagem de unidades) e neogranel (conglomerados homogêneos de mercadorias, em lotes). A planilha com os valores será definida pela ANTT sempre até os dias 20 de janeiro e 20 de julho de cada ano e os valores serão válidos para o semestre em que a norma for editada.

Se não houver tabela nova editada, fica valendo a antiga, atualizada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no período. A lei também determina que, sempre que houver uma variação no preço do diesel maior do que 10%, para mais ou para menos, em relação ao preço considerado na planilha de cálculos, uma nova norma com pisos mínimos precisará ser editada pela agência.

Fonte: JOTA