A evolução conceitual do IBS no fato gerador de importação de ‘bens’

Muitas são as propostas de reforma tributária que se têm veiculado. A que nos parece estar mais adiantada, com instalação de comissão especial na Câmara dos Deputados em Julho de 2019, é a proposta da PEC n. 45/2019, de autoria de Bernard Appy e proposta pelo Deputado Baleia Rossi.

A proposta congrega os tributos da PIS/Pasep, Cofins, IPI, ICMS e ISS num imposto único, batizado como Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser regulamentado exclusivamente pela Lei Complementar, de incidência não-cumulativa e plurifásica, com finalidade arrecadatória (fiscal). Ademais, a PEC n. 45/2019 contempla um Imposto Seletivo Federal (ISF), para desestimular o consumo de determinados bens, com finalidade regulatória (extrafiscal), de incidência monofásica nas saídas do estabelecimento produtor e nas importações.

Aqui, lançamos algumas reflexões sobre o IBS em relação à jurisprudência estabelecida até então, indicando algumas discussões jurídicas que não devem mais ocorrer a partir da implantação do Imposto único, em virtude do acertamento da escolha do conceito de “bens” no aspecto material da hipótese de incidência do IBS-Importação.

Apesar de parecer óbvio, o legislador constituinte por muito tempo não se cercou de determinados cuidados para aplicação de conceitos de Direito Privado no âmbito tributário¹, elencando, de forma aleatória, os conceitos de “produto”, “mercadoria” e “bem”.

Isso porque, a nosso ver, “bem” é o vocábulo mais abrangente, que acaba por contemplar os conceitos de “produto” e “mercadoria” dentro dele. Isso não obstante, o conceito de “produto” não pode ser entendido como sendo mais abrangente que “mercadoria” e vice-versa.

Com o IBS, esse querela parece finalmente ter um desfecho, pois não mais se discutirá se o bem é resultado de processo de industrialização (resultando em “produto”), tampouco se ele está ou não em circulação econômica (resultando em “mercadoria”). O conceito de “bem” nos parece o vocábulo mais amplo possível, que irá bem representar a reunião das hipóteses de incidência de todos os tributos contemplados pelo IBS, em especial o IPI e o ICMS.

Se o IBS existisse há algumas décadas, não teríamos tido, por exemplo, discussões como a de que bens importados para pessoa física não estariam sujeitos ao ICMS, uma vez que não se tratam de coisas no âmbito do comércio².

Aliás, para solução dessa desoneração imposta pelo Supremo Tribunal Federal, os Estados emplacaram a Emenda Constitucional n. 33/2001, que inseriu o no artigo 155, § 2º, inc. IX, “a”, da CF/88 a disposição de que “o ICMS incidirá também sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”.

Todavia, essa controvérsia não cessa no ICMS-Importação. No caso do IPI-Importação também já havia discussão na medida em que a 1ª Seção do STJ havia pacificado nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.411.749/PR, julgado em 11 de Junho de 2014 (5 votos a 3), que tratando-se de empresa comercial importadora, o fato gerador do IPI ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do mesmo tributo quando da sua saída, no percurso de sua circulação ou comercialização no domínio interno, em transações com consumidores não contribuintes do referido tributo.

À época prevaleceu o entendimento da 1ª Turma adotado no REsp n. 841.269/BA³, segundo o qual decidiu que “tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação”. Por outro lado, apesar do princípio da proibição de retrocesso, em 14 de outubro de 2015 o STJ deu conhecimento aos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.403.532/SC, revertendo a jurisprudência pacificada da 1ª Seção (5 votos a 3) e fazendo prevalecer a orientação da 2ª Turma (REsp n. 1.386.6864⁴), decidindo, em sede de recurso repetitivo, que “os produtos importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento importador na operação de revenda, mesmo que não tenham sofrido industrialização no Brasil”.

Por sua vez, o STF, que se recusava a discutir a matéria por não verificar ofensa direta à CF/88⁵, modificou seu entendimento em 30 de junho de 2016 e aceitou a repercussão geral para o RE n. 946.648/SC, destacando que “possui repercussão geral a controvérsia relativa à incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI na saída do estabelecimento importador de mercadoria para a revenda, no mercado interno, considerada a ausência de novo beneficiamento no campo industrial⁶”.

A discussão desse elemento transborda também para as Contribuições Sociais, em que o legislador constituinte derivado, ao autorizar a incidência das contribuições sociais sobre as importações, destacou, em Emendas Constitucionais diferentes que o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação, a incidência destas contribuições ou sobre importação de “produtos” estrangeiros (art. 149, inc. II, CF/88), ou sobre o importador de “bens” (art. 195, inc. IV, CF/88).

Essa ambiguidade do legislador fez com que o Superior Tribunal de Justiça, num caso de importação de girafas para um zoológico de Santa Catarina, entendesse que as duas referências que o legislador constituinte fez permitisse que o Fisco pudesse tributar animais vivos e não apenas produtos industrializados por meio dessas Contribuições Sociais⁷.

Portanto, a experiência judicial no âmbito do comércio exterior tem mostrado que, de fato, o emprego das palavras na redação constitucional tem peso importante. Qualquer incongruência (proposital ou não) entre os termos de Direito Privado na esfera tributária permite espaço para inúmeras controvérsias judiciais, como tem sido o caso dos tributos incidentes na importação de bens. Neste sentido, a PEC 45/2019 parece andar bem ao consolidar na sua hipótese de incidência na importação o conceito de “bem” na sua hipótese material de incidência.

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1 De acordo com o artigo 110 da Lei nº. 5.172/66 que instituiu o Código Tributário Nacional, “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

2 Vide STF, Súmula 660. “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”. Na ocasião, o STF pacificou o entendimento de que pessoas físicas não importam mercadorias porque não praticam atividade mercantil.

3 STJ, 1ª Turma, REsp n. 841.269/BA, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado 28.11.2006, publicado em 14.12.2006.

4 STJ, 2ª Turma, REsp n. 1.386.686/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado 17.09.2013, publicado em 25.09.2013.

5 Vide STF, 2ª Turma, ARE n. 895.140 AgR/DF Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 29.09.2015, D publicado em 13.10.2015 e da 1ª Turma, ARE n. 891.727 AgR/DF Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 15.09.2015, publicado em 30.09.2015.

6 STF, Tribunal Pleno, Repercussão Geral no RE n. 946.648/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 30.06.16.

7 STJ, REsp nº 1.254.117, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, publicado em 19.09.2017.

Fonte: Jota Info