Para procuradores-gerais de estados, legislar sobre tributos é ‘irrenunciável’

Em ofícios encaminhados na última quinta-feira (3/10) ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do DF (Conpeg) afirma ser “inaceitável” que os estados e os municípios abram mão do poder de legislar sobre os próprios tributos em uma reforma tributária.

Os procuradores gerais se preocupam com as propostas de reforma tributária que unificam o ICMS, estadual, e o ISS, municipal, a tributos federais. A unificação ocorre tanto na PEC que tramita na Câmara (PEC 45/2019) quanto na do Senado (PEC 110/2019). Ao passo que o modelo da PEC 45/2019 resulta em um único imposto compartilhado por União, estados e municípios, a versão do relator da PEC 110/2019, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), cria um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, com um tributo em nível federal e outro de competência estadual e municipal.

Para o Conpeg, é preciso evitar que a simplificação buscada na reforma tributária viole o pacto federativo, cláusula pétrea da Constituição que assegura autonomia a estados e municípios.

“A autolegislação em matéria tributária é atributo inerente à autonomia do ente federativo, que acreditamos ser irrenunciável. Se for admitida essa possibilidade de os entes criarem uma lei conjunta de iniciativa de governadores com a União, acreditamos que a reforma poderia sofrer questionamentos quanto à constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF)”, avaliou o presidente do Conpeg e procurador -geral do Maranhão, Rodrigo Maia Rocha.

Para os procuradores-gerais, a autonomia não é preservada apesar de a PEC 45/2019 permitir que estados e municípios definam em seus territórios as alíquotas do novo tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Neste cenário de um tributo único regido por leis nacionais, haveria “forte risco” de ficar prejudicada a capacidade de os estados e municípios se financiarem, segundo o Conpeg.

“As promessas originárias da Carta [Constituição] já foram bastante deturpadas ao longo dos anos, com uma nefasta concentração de poder e recursos em favor da União, em detrimento dos estados e dos municípios, de maneira que não se pode admitir qualquer sugestão que aprofunde esse grave problema nacional”, lê-se nos ofícios.

Com o objetivo de adaptar as PECs às prioridades de estados e municípios, os secretários estaduais de Fazenda criaram uma proposta de emenda que será apresentada como texto substitutivo às PECs. Apesar do alerta dos procuradores-gerais, os secretários estaduais de Fazenda sinalizaram que para preservar o pacto federativo seria suficiente ter o poder de definir alíquotas e tirar a União da administração do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo que resultará da unificação de IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS.

Segundo Maia Rocha, a ideia dos procuradores-gerais não é encaminhar uma proposta alternativa de reforma tributária. “Nossa contribuição vai ser no sentido de orientar as propostas postas, trabalhar com base no que já existe e zelar para que isso não viole as regras constitucionais”, afirmou.

Ainda, os procuradores pedem que sejam promovidas audiências públicas sobre a autonomia de estados e municípios tanto no Congresso Nacional quanto nas assembleias legislativas estaduais, que serão afetadas com a perda do poder de legislar sobre o ICMS.

Incentivos fiscais

Apresentada pelo líder do MDB, Baleia Rossi (MDB-SP), a PEC 45/2019 unifica PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS em um único tributo, o IBS, que seria administrado por um comitê gestor de participação paritária de União, estados e municípios. Já a PEC 110/2019, apresentada por Alcolumbre, reúne nove tributos para criar o IBS, incluindo ICMS e ISS. Diferentemente da proposta debatida na Câmara, a PEC do Senado determina que o Congresso Nacional definirá as alíquotas dos bens e serviços, que valeriam para o país todo.

Ambas as PECs invertem a sistemática da tributação da origem para o destino. Ou seja, em vez de o imposto ser cobrado nos estados onde estão sediadas as empresas, o IBS seria arrecadado no local onde está o consumidor dos bens e serviços. Na prática, o modelo inviabiliza a concessão de incentivos fiscais para atrair as empresas ao território, já que a cobrança não será mais feita no local de produção.

Para tornar as PECs mais atrativas para estados e municípios, os secretários estaduais de Fazenda elaboraram uma proposta de emenda que será apresentada como texto substitutivo às PECs.

A emenda dos secretários retira a União do comitê gestor dos tributos, a fim de aumentar o poder dos estados e municípios em relação ao IBS, e cria um fundo de desenvolvimento regional como medida para compensar o fim dos incentivos fiscais. O fundo seria destinado a financiar projetos de infraestrutura principalmente em regiões como Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Entretanto, os procuradores-gerais dos estados criticam a substituição do poder de conceder incentivos fiscais pela possibilidade de receber recursos de um fundo de desenvolvimento regional. Isso porque, na visão do Conpeg, a mudança pode resultar em dependência ainda maior dos estados e municípios em relação aos repasses da União.

Fazendas dos estados e o Judiciário

Por fim, os procuradores-gerais dos estados alertam para os processos judiciais em que os contribuintes e o fisco debatem cobranças tributárias. Com a criação do IBS, a reforma tributária prevê que os conflitos serão resolvidos na Justiça Federal, de forma que todos os processos relativos ao IBS provavelmente seriam defendidos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Todavia, os procuradores-gerais dos estados avaliam que essa concentração na Fazenda Nacional causaria um “desequilíbrio federativo danoso”. Diante disso, pedem que o Congresso preserve a atuação de procuradores estaduais.

No modelo atual, os procuradores estaduais de Fazenda atuam em processos que debatem o recolhimento do ICMS. No caso do ISS, os processos ficam a cargo dos procuradores municipais de Fazenda.

Fonte: Jota Info