DECISÃO DO STF SOBRE ICMS É QUESTIONADA

São Paulo – Um dos maiores riscos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) da última quarta-feira de passar a considerar crime o não pagamento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) declarado pelo comerciante às fazendas estaduais é o incentivo a não declaração de impostos, segundo advogados tributaristas ouvidos pela reportagem.

Se isso ocorrer, dizem eles, o Fisco terá maior dificuldade de aferir as dívidas dos contribuintes e de fazer a execução fiscal dos montantes. Para defensores da criminalização, contudo, o novo entendimento só atinge devedores recorrentes que agem de má fé e, por isso, não deve suscitar apreensão do contribuinte que eventualmente atrase o pagamento do tributo por falta de recursos, por exemplo.

Os ministros do Supremo deixaram expresso na tese fixada ao final do julgamento que só será punido criminalmente o comerciante que, “de forma contumaz e com dolo (intenção) de apropriação”, deixar de recolher o ICMS cobrado do consumidor que adquiriu a mercadoria ou o serviço.

Para o advogado Heleno Taveira Torres, professor de direito financeiro da Universidade de São Paulo (USP), apesar de o julgamento ter se debruçado sobre um caso específico e não ter repercussão geral, a tendência é de que tribunais e juízes sigam o novo entendimento.

“Na prática, dessa decisão resultará um aumento do número de denúncias por parte do Ministério Público dos estados e os fiscos estaduais passarão a usar um instrumento de intimidação, que é a possibilidade de prisão”, ressalta.

“O ministro (Luís Roberto) Barroso formulou a tese de que o contribuinte que de forma contumaz e com dolo de apropriação deixa de fazer o pagamento do imposto comete o crime de apropriação indébita. O problema é que a figura do devedor contumaz não está qualificada pelo direito ainda. Não há regulamentação, nem tipificação”, alerta

A tese, que em teoria só valeria para o ICMS, poderia ser adotada também pelo Judiciário para a cobrança de tributos como o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), segundo Torres. Para ele, o ponto positivo da medida é a exigência da comprovação de que o contribuinte não pagou o tributo por má fé.

“A decisão do STF pode ter o efeito de acabar induzindo a sonegação. Antes, o sujeito declarava o imposto e, numa situação de crise, não fazia o pagamento e poderia ter uma sanção. Agora, pode ser alvo de uma ação penal. Pode surgir o sujeito que não declara por medo da prisão. Com isso, ele transfere ao Fisco (a responsabilidade de calcular o valor devido), que pode fiscalizar os grandes contribuintes, mas não todos”, pondera.

Prova – Para Hugo Machado Segundo, tributarista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), “o efeito prático é que o contribuinte que não tiver condições de pagar o imposto não vai declarar mais. O Fisco vai ter de provar que o empresário fez isso de má fé, provar que foi fraude, para caracterizar a apropriação indébita”.

Apenas a simples não declaração, segundo ele, não pode ser considerada crime. “É similar ao caso do Imposto de Renda. O contribuinte pode se esquecer de declarar um rendimento. O Fisco tem meios para descobrir isso e autuar, mas não necessariamente há crime”, ressalta.

A possibilidade de sonegar o ICMS hoje é reduzida devido ao sistema de notas fiscais eletrônicas, segundo Richard Dotoli, professor da FGV Direito Rio. Ele diz, contudo, que a criminalização do calote de impostos pode fazer com que o empresário em grave dificuldade financeira, por medo, priorize o pagamento do imposto em detrimento de outras dívidas.

“Numa situação dramática, entre o pagamento de um tributo federal e um estadual, como deixar de pagar o último é crime, o empresário não pagaria o federal. Entre pagar o estadual e a folha de salários, por exemplo, as obrigações trabalhistas poderiam ser prejudicadas”, afirma Dotoli.

Outro problema, segundo ele, é que a cobrança do ICMS ocorre de maneira antecipada na cadeia produtiva. “A maioria das coisas que compramos já tem o tributo embutido no preço, ele já foi cobrado, às vezes do fabricante. Acontece que o consumidor que sai com uma televisão do comércio, por exemplo, pode parcelar a compra e não efetuar o pagamento. Nesse caso, o Estado exige o pagamento do ICMS na íntegra, não existe ponderação pela falta da conclusão da cadeia”, explica. (Folhapress)