O redirecionamento de execuções fiscais para grupos econômicos

Via de regra as execuções fiscais são ajuizadas em face dos contribuintes originalmente qualificados nos lançamentos tributários.

Havendo necessidade e ocorrendo as situações previstas em lei surge a possibilidade de redirecionar a execução para terceiros mediante a apuração intercorrente de responsabilidade tributária fundamentada nos artigos 124, 133, 134 e 135 ou em razão da desconsideração da personalidade jurídica prevista no artigo 50 do Código Civil.

Segundo Paulo Cesar Conrado, “redirecionamento é vocábulo construído pela prática jurisprudencial para designar fenômeno que, além de pressupor a noção de responsabilidade tributária, demanda a articulação dessa mesma responsabilidade em sede processual”[1]. Historicamente sempre se operacionalizou mediante requerimentos das procuradorias em execuções fiscais com a comprovação das situações autorizadoras e a canalização do executivo fiscal para o corresponsável antes do exercício do contraditório.

O Código de Processo Civil de 2015, porém, instituiu nos artigos 133 a 137 o IDPJ como novo incidente para viabilizar a desconsideração da personalidade jurídica, possibilitando o exercício do contraditório previamente à decisão de redirecionamento..

Imediatamente surgiu um grande debate acerca da aplicabilidade do IDPJ às execuções fiscais.

De um lado há aqueles que defendem a aplicação irrestrita do IDPJ para as execuções fiscais e de outro, aqueles que sustentam sua inaplicabilidade quando houver norma tributária específica que, por si só, atribua a responsabilidade a terceiros independentemente da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade originalmente executada. A última corrente sustenta ainda que o CPC aplica-se apenas subsidiariamente ao processo executivo fiscal e que o efeito suspensivo do IDPJ é incompatível com a execução fiscal.

Para os casos de responsabilidade fundamentada nos artigos 133 a 135, do CTN (sucessão e de terceiros), a jurisprudência se formou no sentido da desnecessidade do IDPJ.[2]

No mesmo sentido têm se posicionado os Tribunais Regionais Federais em casos de redirecionamento das execuções para pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico fundamentados nos artigos 124 do CTN e 30, IX, da Lei n° 8.212/91.[3]

Em outras palavras, vem prevalecendo o entendimento quanto à desnecessidade do IDPJ quando há fundamento autônomo para imposição de responsabilidade tributária.

A contrario sensu, deveria ser exigida a instauração do IDPJ sempre que o fundamento da responsabilidade for única e exclusivamente patrimonial, nos termos do art. 50 do CC.[4]

Mais recentemente, ambas as turmas da Primeira Seção do STJ apreciaram a necessidade do IDPJ para redirecionamento da execução fiscal para pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico.

A 1a Turma, ao julgar o REsp 1.775.269/PR, em 21/02/2019, entendeu que “a imputação da responsabilidade ao grupo econômico ou à pessoa jurídica dele integrante dependerá da desconsideração da personalidade jurídica, cujo reconhecimento somente pode ser obtido com a instauração do referido incidente (art. 133 do CPC/2015)”. Na mesma data, a Turma julgou o Agravo em Recurso Especial 1.173.201/SC firmando a mesma conclusão.[5]

A 2a Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.786.311/PR, em 09/05/2019, concluiu pela desnecessidade do IDPJ para redirecionamento de execuções fiscais contra empresas do grupo econômico irregular. Prevaleceu o entendimento de que evidenciadas as situações previstas nos artigos 124, 133 e 135, todos do CTN, não seria razoável exigir a instauração do IDPJ, principalmente porque “soaria contraditório afastar o IDPJ para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para responsabilização de pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos constituídos para blindagem patrimonial”.

A despeito das conclusões em sentidos opostos, há dois pontos que podem auxiliar na identificação, ainda que prematura, de uma tendência sobre o desfecho deste tema no STJ.

O primeiro deles é que os contextos fáticos e probatórios dos casos apreciados pelas duas Turmas da Primeira Seção eram completamente distintos. Essa também foi a conclusão da Min. Regina Helena Costa (relatora) nos Embargos de Divergência opostos contra a decisão da Segunda Turma (EREsp nº 1786311/PR) e da Primeira Seção do STJ, no AgInt nos EREsp 1786311/PR. O caso apreciado pela 1a Turma não continha prova robusta de fraude tal como o da 2ª Turma e isto parece ter feito toda a diferença.

O segundo ponto de destaque é que parece ser comum o entendimento de que havendo fundamento no CTN para imposição da responsabilidade tributária o IDPJ será dispensado. Porém, essa conclusão depende também dos fatos e provas apresentadas em cada caso e de como as decisões de primeira e segunda instância fundamentarem o redirecionamento.

Especificamente sobre o redirecionamento de execuções fiscais para empresas do grupo econômico, parece, portanto, que o núcleo da controvérsia não é a necessidade de IDPJ, mas sim, um ponto anterior: a possibilidade ou não de utilização do art. 124, I, do CTN como fundamento autônomo para a imposição da responsabilidade tributária nestes casos.

A propósito, a única coisa que se sabe sobre a interpretação do referido dispositivo no STJ é que a Corte “repele a responsabilização de sociedades do mesmo grupo econômico com base apenas no suposto interesse comum previsto no art. 124, I, do CTN, exigindo que a atuação empresarial se efetive na produção do fato gerador que serve de suporte à obrigação” (REsp 1.558.445/PE).

Aparentemente a Corte não tem entendimento sobre a aplicabilidade do art. 124, I, do CTN para situações em que a despeito de terceiros não terem realizado conjuntamente o fato gerador, atuaram de forma fraudulenta para inibir ou impedir a incidência de tributos ou para inviabilizar a cobrança do crédito tributário.

É neste ponto especificamente que está a maior controvérsia. Se o art. 124, I, do CTN servir para a responsabilização de pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico, ainda que não tenham realizado conjuntamente o fato gerador, embora tenham atuado de forma a fraudar o fisco, daí não haverá necessidade de utilização do art. 50 do Código Civil e estará aberta a via para o redirecionamento sem a instauração do IDPJ também nestas situações.

Fonte: JOTA