Um Supersimples para todas as empresas
Anteprojeto do Movimento Brasil Eficiente propõe simplificar o recolhimento de impostos mantendo a arrecadação
O Movimento Brasil Eficiente (MBE) nasceu há três anos, em Joinville (SC), uma paragem deslocada da política dominante, mas muito próxima do empresariado industrial. Hoje, conta com 120 entidades apoiadoras e até com a adesão de governos estaduais como o de Santa Catarina, Pernambuco, São Paulo e Minas Gerais. Não é vinculado a interesses associativos ou partidários.
Nesta terça-feira, 4/6/2013, lança a campanha Assina Brasil, com a qual pretende obter 1,5 milhão de assinaturas para um anteprojeto de lei que prevê a simplificação da arrecadação tributária sem alterar o volume de recursos recolhidos. Pela proposta, seria criado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nacional, compartilhado exatamente conforme as participações atuais, com alíquota interestadual baixa e unificada, aglutinando os atuais 27 ICMS estaduais e eliminando, por assimilação, os atuais IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico).
Seria criado um Imposto de Renda federal novo, resultado da junção do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas, do de Pessoas Físicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Exclusivo da União, sustentaria a Previdência Social nos dois regimes (INSS e servidores públicos), acrescido da contribuição patronal que, desonerada da folha salarial, passaria a incidir sobre a geração de caixa no balanço das empresas.
Os tributos regulatórios federais, como o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e os locais (como ISS, ITBI, IPVA, IPTU) seriam mantidos. Uma Contribuição Previdenciária do Trabalhador (CPT), de caráter parafiscal, conforme já regulado pelo artigo 68 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), representaria a participação do trabalhador no capital social dos novos investimentos públicos. Um Conselho de Gestão Fiscal, também previsto na LRF, zelaria pela eficiência do novo sistema. O economista Paulo Rabello de Castro, coordenador nacional do MBE, explica a seguir os detalhes da proposta da entidade.
IBPT — Em que consiste o Assina Brasil?
Paulo Rabello de Castro — O projeto foi desenvolvido pelo MBE com o objetivo de mobilizar a população acerca da realidade fiscal do País e de sua profunda complexidade. E também alertar para uma penosa constatação: a elevada carga tributária é a principal trava da expansão do Produto Interno Bruto (PIB), pois repercute negativamente na decisão das empresas de investir. O espelho do exagero da carga tributária é o excesso de gasto, nos três níveis da administração pública. A proposta do MBE é atacar os dois lados do problema (a carga tributária e os gastos públicos), como se faz com as doenças, agindo em suas várias manifestações e em suas causas, até que sejam superadas.
IBPT — E como se poderá fazer isso?
Paulo Rabello de Castro — Levantamos os itens da despesa pública, que é multifacetada por excelência, vai dos considerados muito importantes — como educação, saúde, segurança — até aqueles com um monte de pontos de interrogação, como administração geral, cobrança de impostos, até chegar aos investimentos. Por se tratar de uma área diversificada e complexa, o MBE decidiu fazer uma proposta de grande capacidade de simplificação da arrecadação fiscal e de racionalização dos gastos públicos, tornando-os mais eficientes e produtivos. E a melhor maneira de fazer isso é cumprir a lei. Como? Através da regulamentação do artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que está dormindo há 12 anos. É o famoso “artigo Bela Adormecida”. Ele criou o Conselho de Gestão Fiscal, no qual está prevista a participação do governo e de representantes do setor privado. Esse conselho deveria dar a direção dos gastos públicos, medir a eficiência de sua aplicação e recomendar as prioridades de alocação dos recursos. Algo como o que o empresário Jorge Gerdau vem fazendo informalmente. Em minha opinião, Gerdau deveria presidir esse conselho. Trata-se de um órgão de aferição de contas publicas, antes que as bobagens comecem a ser feitas.
IBPT — Como fazer para simplificar a arrecadação e para que o Conselho de Gestão Fiscal definitivamente comece a funcionar?
Paulo Rabello de Castro — Elaboramos um anteprojeto, um substitutivo ao atual projeto de lei que se arrasta há 12 anos na Câmara Federal. Do lado da receita, propomos uma emenda constitucional que aglutine as diversas categorias tributárias existentes, que são verdadeiras jabuticabas, só ocorrem no Brasil, complicam a vida do contribuinte e dão margem a achaques de todos os tipos. Vivemos uma selva tributária, comparável a um manicômio. Ele é organizado, tem enfermeiro, choques elétricos, mas não melhora a vida de ninguém, inabilita o País a crescer suficientemente para ficarmos ricos, antes de ficarmos velhos, uma frase do Delfim Netto que gosto de repetir. Temos uma janela de crescimento nos próximos 20 anos, mas a população tende a ficar velha. E, com isso, estamos perdendo o ponto de liderar a região latino-americana, por causa da nossa incapacidade de organizar a nossa economia. (Nota da Redação: estudo divulgado no fim do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística {IBGE} mostrou uma queda na proporção de jovens e idosos em relação ao total de indivíduos em idade economicamente ativa no País. Há hoje, proporcionalmente, mais gente na faixa etária em que existe maior probabilidade de exercer atividade econômica do que aqueles potencialmente dependentes desse mesmo grupo, o que os economistas chamam de “bônus demográfico”.)
IBPT — A estrutura tributária do Brasil o fará perder a liderança econômico-política da América Latina?
Paulo Rabello de Castro — Somos percebidos como uma potência, mas um potência esculhambada. Resolvemos o problema da inflação e achamos que isso era o suficiente. Mas resolvemos o problema de forma incompleta. Estão aí os resíduos de correção monetária, ainda há líder sindical pedindo para restabelecer os gatilhos salariais com base na inflação. Há várias tentativas hoje do cidadão de se proteger da complexidade tributária, num jogo de gato e rato em que a Receita Federal emite um sem-número de éditos contra esse cidadão para extrair-lhe alguns reais a mais. Por isso, precisamos de neutralidade fiscal. Nenhum Estado quer perder arrecadação, nem mesmo por compensação, pois ainda guardam o trauma da Lei Kandir, que não funcionou bem. É fundamental que qualquer proposta de reforma observe uma neutralidade na distribuição do montante arrecadado. Nossa proposta vai exatamente nessa direção. Propõe aglutinação das categorias tributárias que ajudará o contribuinte que paga o imposto, desonerando-o de parte da burocracia de suas obrigações fiscais. Por outro lado, mantém a arrecadação federativa através de uma redistribuição que seria feita através da rede bancária. Todas as unidades da federação, inclusive a União, continuariam recebendo a sua cota-parte. (Nota da Redação: a Lei Kandir {Lei Complementar 87/96, alterada por diversas outras leis complementares nos últimos anos} promoveu a dispensa do ICMS em operações que destinem mercadorias para o exterior, bem como os serviços prestados a tomadores localizados no exterior. Com isso, estados e municípios perderam parcela da arrecadação de seus impostos. Como compensação dessas perdas, decorrentes da política econômica instituída pelo governo federal, a União ficou com a obrigação de ressarcir os estados e municípios mediante repasse de recursos financeiros.)
IBPT — Como se dará essa aglutinação de categorias tributárias?
Paulo Rabello de Castro — Faríamos a transição por etapas, a partir do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Primeiro com uma harmonização de alíquotas e, em seguida, com absorção dos demais tributos circulatórios, como IPI, PIS, Cofins e também a contribuição previdenciária do empregador.
IBPT — É um princípio semelhante ao do Supersimples, que uniu a cobrança de vários impostos numa só forma de arrecadação, para empresas de pequeno porte?
Paulo Rabello de Castro — Sem dúvida. A nossa ideia não tem nenhum excesso de originalidade, nem deveria. Um dos problemas adicionais em qualquer discussão sobre modernização tributária é o excesso de originalidade dos proponentes. Cada um que abre a boca tem uma ideia mirabolante, com conteúdo mágico, para conseguir aumentar a arrecadação. A gente conseguiu fazer o Simples, que foi uma esperteza do Erário e uma bondade para a sociedade. O Simples, além do mais, tem uma alíquota reduzida. O que estamos propondo é um Simples sem alíquota reduzida, pois não devemos ter uma perda na arrecadação na partida de qualquer reforma. Isso prejudicaria o autofinanciamento dos estados. Mais tarde esses dois sistemas poderiam passar a ser um marco só.
IBPT — Então a proposta do MBE mantém o volume total de impostos recolhidos, porém simplifica a forma de arrecadação?
Paulo Rabello de Castro — Exatamente. O importante é nos despirmos do milagre tributário de ficar prometendo que com um tributo só vamos dar conta de tudo. Não é verdade. Infelizmente, no Brasil temos uma arrecadação tributária tão forte, que um tributo só não daria conta. Em segundo lugar, temos que ter respeito ao principio de que devemos ter um fato gerador para cada tributo, e não mais de um tributo para cada fato gerador. Número três: temos que nos despir de qualquer originalidade porque precisamos competir internacionalmente. Portanto, o nosso sistema quer redescobrir a simplicidade dos outros. Normalmente tem o imposto de renda, o imposto de circulação da produção, que é a fonte de financiamento das máquinas, do poder público, e depois os impostos locais, que são numerosos. Estes não participam do nosso foco reformista.
IBPT — Quanto tempo demoraria para a proposta ser posta em prática?
Paulo Rabello de Castro — Achamos que, realisticamente, entre a deflagração do projeto e a sua conclusão, não mais que 48 meses, ou seja, um mandato. Se um presidente da República implantasse o projeto em 2015, poderia colher os frutos em 2018. Entrará em vigência sem a redução da carga tributária. Uma vez instalado, o Conselho de Gestão Fiscal poderá atuar para alterar a carga tributária levando em consideração estudos técnicos. No dia zero da reforma, se adotaria uma espécie de Unidade Real de Valor (URV) fiscal, para cada estado, igual ao tanto de sua participação na arrecadação, e esse ente da federação continuaria recolhendo 100% da sua arrecadação anterior. Isso resolveria de uma vez os fundos de participação de estados e municípios, um instrumento hoje sob a mira do Supremo Tribunal Federal (STF). Esses fundos poderiam deixar de existir, porque os estados e municípios passariam a participar da partilha do PIS e do Cofins, que seriam aglutinados no novo ICMS a partir do dia zero da reforma. Tudo isso financiaria as máquinas dos estados, municípios e da Nação. E o contribuinte ficaria sabendo como são custosas essas máquinas.
Texto: Costábile Nicoletta | Edição: Lenilde De León | Assessoria de Comunicação do IBPT