Debate sobre nuvem chega na Justiça

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) suspendeu o contrato pelo qual o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) contratou a Microsoft para desenvolver uma plataforma de processo eletrônico em nuvem ao longo de cinco anos por um custo total de R$ 1,32 bilhão.

A Microsoft venceu o Google e a Amazon na disputa pelo projeto, pelo qual o TJ pretende trocar o seu sistema atual da catarinense Softplan, além de deixar de ter uma infraestrutura interna de TI. Provavelmente, seria o maior projeto já fechado pela empresa no país.

Mas a alegria durou pouco, com o CNJ intervindo para bloquear o contrato liminarmente no mesmo dia da divulgação, feita nesta quinta-feira, 21. A liminar, dada por um dos integrantes do conselho, pede uma posição do TJ-SP em 10 dias e deverá ser analisada pelo Plenário do CNJ.

De acordo com o conselheiro Márcio Schiefler Fontes, presidente da Comissão de Tecnologia da Informação e Infraestrutura, o problema é de proteção de dados.

“É dizer que empresa estrangeira, em solo estrangeiro, manterá guarda e acesso a dados judiciais do Brasil, onde a intensa judicialização reúne, nos bancos de dados dos Tribunais, uma infinidade de informações sobre a vida, a economia e a sociedade brasileira, o que, ressalvadas as cautelas certamente previstas, pode vir a colocar em risco a segurança e os interesses nacionais do Brasil, num momento em que há graves disputas internacionais justamente acerca dessa matéria”, afirma Fontes.

O TJ-SP soltou uma nota defendendo sua decisão, afirmando que contratou a Microsoft Informática e Microsoft Games, “ambas brasileiras”, e que a expectativa é gerar uma economia de R$ 1 bilhão em 10 anos, pela redução dos gastos em infra em 40% em cinco anos.

“Cabe destacar que o contrato assinado prevê respeito ao marco legal da proteção de dados dos usuários e não importa qualquer risco à segurança, tendo esta Corte adotado todas as cautelas necessárias”, afirma em nota Manoel de Queiroz Pereira Calças, presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

No final das contas, parece que a questão será definida se a Microsoft conseguir provar que os dados do TJ-SP ficarão hospedados no Brasil, onde a companhia mantém um data center (que certamente poderá ser expandido para atender a demanda).

Empresas como a Microsoft mantém dezenas de data centers espalhados pelo mundo e parte do seu modelo de dados é replicar dados e sistemas em diferentes lugares para garantir estabilidade do serviço.

A possibilidade de demonstrar que um dado está somente dentro das fronteiras de um país e mais, que ele não pode ser acessado desde outro país, é um assunto para técnicos. Provavelmente, não é um debate dos mais simples.

Mas a discussão não é só técnica, é claro. Em termos políticos, o Judiciário está reeditando um debate sobre estratégia de TI que já aconteceu no executivo federal, opondo um campo defensor de desenvolvimento de soluções próprias em open source e outro apoiador da aquisição de software proprietário de fornecedores privados.

O primeiro grupo foi preponderante durante as administrações petistas em Brasília, mas começou a perder força já no últimos anos de Dilma Rousseff.

A questão privacidade de dados no contexto de serviços oferecidos na nuvem chegou nos últimos no debate, embalada em parte pela revelação de que Dilma estava sendo espionada pelo NSA, serviço de inteligência americano, ainda em 2013. O Serpro tentou aproveitar o embalo. Dilma chegou a falar em lançar um e-mail 100% brasileiro, um plano que deu em nada.

Com a chegada ao poder de Michel Temer (que usava um e-mail pessoa física do Gmail como vice), o processo de abandono do open source que já havia começado em órgãos públicos como a Caixa Econômica, onde produtos da Microsoft começaram a ser comprados já em 2012, se acelerou e foi para o coração do governo.

O símbolo dessa nova era foi um contrato de R$ 29,9 milhões fechado pela Embratel no Ministério do Planejamento para fornecimento de nuvem da AWS. O Planejamento é o ministério que estabelece as diretrizes de TI, entre as quais estava no passado não hospedar dados fora do país.

Não há qualquer indicativo de que o novo governo encabeçado por Jair Bolsonaro vá recuar nessas posições. Todas as sinalizações são no sentido de abrir as portas para a iniciativa privada, incluindo aí os grandes players internacionais de computação em nuvem.

Agora a discussão chegou no Judiciário, onde certamente a decisão do CNJ sobre o TJ-SP vai estabelecer o precedente a ser seguido daqui para frente.

Fonte: Baguete