976,7 mil ações afetadas por repercussão geral dependem de julgamento do STF para voltar a tramitar em todo o país
Um gargalo do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a ações com repercussão geral tem travado a tramitação de 976,7 mil processos na Justiça brasileira, mostra levantamento do G1 com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essas ações estão paradas nas instâncias inferiores porque a Suprema Corte ainda não analisou definitivamente os temas relacionados.
Somente com o julgamento final dos temas que geraram a repercussão geral de cada caso é que os tribunais de todo o país podem aplicar o entendimento do STF.
A repercussão geral é um dispositivo usado pelo Supremo para padronizar dentro do Judiciário a interpretação e as sentenças sobre temas relevantes que geram um enorme volume de ações individuais. Com esse instrumento, a Justiça não precisa decidir milhares de vezes, individualmente, sobre o mesmo tema.
A partir do momento em que é estabelecida a repercussão geral e o Supremo finaliza o julgamento do tema, a decisão tomada pela mais alta Corte do país tem de ser aplicada pelas instâncias inferiores se os processos tratarem da mesma questão.
Com 39 mil ações em tramitação no tribunal, a agenda do STF não consegue absorver todas as discussões com repercussão geral reconhecida, o que faz com que processos em instâncias inferiores fiquem suspensos aguardando uma manifestação final do Supremo.
Nos últimos seis anos, mais do que dobrou o número de ações paralisadas no Judiciário aguardando o desfecho no Supremo do julgamento de temas afetados por repercussão geral. Levantamento do STF realizado em fevereiro de 2019 mostrou que, naquela ocasião, havia 425 mil processos que dependiam do tribunal parados nos escaninhos da Justiça.
Fila de espera
Estão pendentes de análise pela Suprema Corte 308 temas de repercussão geral. Em 2018, foram incluídos 43 novos assuntos, sendo que 32 foram aprovados e 11 negados.
No ano passado, a Corte definiu a repercussão geral de 27 temas, o que permitiu que mais de 88,3 mil ações fossem resolvidas. Foi o menor número de vinculações de temas relacionados desde 2012, quando foram julgados 12 assuntos que ganharam repercussão geral.
Entre os temas com repercussão geral julgados em 2018 está o que liberou terceirizados nas atividades-fim das empresas. Esse entendimento deve resolver 4 mil ações ajuizadas anteriormente à aprovação da reforma trabalhista.
Em 27 de fevereiro, o STF decidiu que os estados devem responder por erros cometidos por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções. O entendimento deverá ser aplicado a outras 72 ações com objeto semelhante que tramitam em tribunais inferiores.
Entenda qual é o caminho para o STF reconhecer a repercussão geral de um tema:
- quando há uma controvérsia nos tribunais inferiores, os envolvidos podem recorrer ao STF por meio de um recurso chamado “extraordinário”
- o requisito para que esse recurso seja analisado pelo STF é a existência da repercussão geral. Essa análise é exclusiva do STF e costuma ser feita no plenário virtual da Corte
- pelo menos quatro ministros devem avaliar que a questão terá impacto social, político, econômico ou jurídico, além do interesse de uma só pessoa
- reconhecida a repercussão geral, o relator do recurso manda suspender todos os processos semelhantes no país até que o STF se pronuncie
- a decisão final do plenário sobre o tema passa a orientar os demais juízes e tribunais
Casos à espera de julgamento
Entre os temas que o STF ainda deve concluir o julgamento para a repercussão geral ter efeito nas instâncias inferiores está uma ação que deve definir se é crime o porte de drogas para uso pessoal.
O julgamento está marcado para 5 de junho. Três dos 11 magistrados do STF já se manifestaram sobre o tema em 2015, quando o caso começou a ser julgado.
Os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram pela descriminalização. Há 2.939 processos relacionados a esse tema suspensos no Judiciário à espera da decisão final do Supremo.
Em outro caso com repercussão geral, a Suprema Corte também deve analisar se o Estado é obrigado a fornecer medicamento de alto custo não disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) a portador de doença grave sem recursos financeiros. O julgamento está marcado para o dia 22 de maio. São 32,9 mil ações emperradas à espera da definição deste tema, número que cresce a cada ano.
A repercussão geral sobre esse assunto foi reconhecida em 3 dezembro de 2007 a partir do caso de um paciente do Rio Grande do Norte que obteve o direito de ter um medicamento para tratar de duas doenças que ele sofre custeado pelo Estado. Ele sofre de miocardiopatia isquêmica e hipertensão arterial pulmonar.
“Há uma grande expectativa, tanto por parte dos pacientes quanto dos gestores em relação a uma orientação definitiva [sobre o fornecimento de medicamentos de alto custo]. É a tal questão da insegurança jurídica”, reclamou o biólogo Cristiano Silveira, um dos integrantes do movimento Minha Vida Não Tem Preço.
Presidente da Associação de Fibrose Cística do Rio de Janeiro, Silveira é pai de um menino com a doença genética que afeta os sistemas respiratório e digestivo. Nos pulmões, provoca obstrução progressiva das vias aéreas.
“A porta da Justiça era a única que ainda estava aberta para algumas pessoas. Elas não têm o tratamento disponível na rede pública e a única coisa que resta para elas é buscar a Justiça. O que a gente vem notando nos últimos anos é que essa porta também está se fechando”, ressaltou Silveira.
Limite de temas
Para reduzir o gargalo de processos afetados por repercussão geral, o ministro Luís Roberto Barroso defende que o Supremo não admita mais pedidos de recursos extraordinários do que é capaz de julgar no período de um ano. Na avaliação do magistrado, essa medida evitaria que as ações se arrastassem sem solução.
“No Brasil, existe uma dificuldade muito grande de aceitar que um processo chegou ao fim. Processo tem que durar um ano, seis meses, um ano e meio” (Luís Roberto Barroso)
Segundo Barroso, cada nova repercussão geral atribuída dever ter sua data de julgamento marcada. O ministro avalia que, enquanto houver temas afetados por repercussão geral pendentes de julgamento, o STF não deve dar esse efeito a mais do que 40 recursos por ano.
Ele acredita que o Supremo concedeu repercussão geral a temas que “não são verdadeiramente relevantes”. Na visão do magistrado, parte desses assuntos deve ser analisada novamente.
O ministro Edson Fachin tem entendimento semelhando ao defendido por Barroso. De acordo com Fachin, o Supremo reconheceu “um número expressivo de repercussões gerais” nos últimos anos e parte destes temas deve ser reavaliada.
O magistrado defende ainda que os recursos possam ser analisados no plenário virtual da Corte, que hoje se restringe a reconhecer ou negar a repercussão geral. Outra solução apontada pelo ministro é permitir que os casos possam ser analisados em lista, ou seja, que possam ser julgados em bloco pelos ministros, de forma rápida, por tratarem de questões já decidas pela Corte.
Nesses julgamentos, se não há divergência por parte de nenhum magistrado, o caso é aprovado sem que seja necessário entrar no mérito de cada processo.
“Para que essas soluções sejam implementadas serão necessárias alterações regimentais. É uma oportunidade de aperfeiçoar o mecanismo de gestão da repercussão geral não apenas da direção da reforma constitucional, mas também o de reforçar o papel do Supremo Tribunal Federal como Corte constitucional” (Edson Fachin)
O ministro Ricardo Lewandowski também aponta como eventual solução para esse gargalo do STF uma análise mais precisa sobre se o assunto apontado para gerar repercussão geral é atual.
“A nossa tendência tem sido cada vez mais reconhecer que determinados assuntos, de caráter eminentemente subjetivo, ou seja, de interesse apenas das partes, não sejam levados para esse nível de discussão” (Ricardo Lewandowski)
“Uma solução interessante seria, de tempos em tempos, esse acervo represado ser revisitado pelos ministros”, complementou.
Já o ministro Marco Aurélio Mello acredita que é preciso conciliar os conteúdos das discussões com celeridade nas decisões.
“O tempo nas sessões plenárias há de ser otimizado. O plenário não é uma academia. Tudo depende dessa percepção pelos integrantes” (Marco Aurélio Mello)
‘Prioridades’ do STF
Questionada pelo G1, a assessoria do STF informou que a inclusão de ações com repercussão geral na pauta de julgamento do tribunal é uma das prioridades da gestão do atual presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.
Em nota, o Supremo afirmou que, de setembro de 2018 a fevereiro deste ano, o plenário do tribunal analisou o mérito de 25 processos com repercussão geral, tendo finalizado o julgamento de 14.
Ainda conforme a Suprema Corte, os demais temas com repercussão geral não foram concluídos por conta de pedidos de vista (mais tempo para analisar o caso).
A presidência do Supremo destacou que foram incluídos 44 temas com repercussão geral na pauta do tribunal, o que poderá ter efeito em 274.534 processos suspensos nas instâncias inferiores.
Fonte: G1.