Fatos e versões da reforma tributária
Deve-se pensar se é o modelo que o Brasil precisa.
A PEC 45/2019 promete um IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) simples, isonômico, neutro, transparente e pretende resolver todos os problemas da tributação sobre o consumo. Será verdade?
Os defensores da PEC 45 afirmam que a versão de que o uso de uma alíquota única seria consenso na literatura internacional. O fato, porém, é que a pesquisa da OCDE “Consumption Tax Trends”, de 2018, demonstra que, de 169 países, 154 (91%) adotam duas ou mais alíquotas. E dentre os 35 países membros da OCDE que utilizam o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), apenas dois têm alíquota única. Conclui-se que a maioria dos países tem duas ou mais alíquotas de IVA. Isso porque alíquota única não permite diferenciar bens essenciais de bens supérfluos.
Hamilton Dias de Souza – especialista e mestre em Direito Tributário pela USP, é sócio fundador do Dias de Souza Advogados Associados
O tributarista Hamilton Dias de Souza, sócio-fundador do Dias de Souza Advogados Associados – Divulgação
Outra versão controversa é a afirmação de que as classes mais altas consomem mais produtos da cesta básica e mais serviços. Dados coletados pelo IBGE em 2018 demonstram que despesas com transporte, alimentação e saúde representam, em média, 43,6% do orçamento das famílias brasileiras. Dentre os países membros da OCDE são comuns reduções do IVA para alimentos básicos, saúde, educação e transporte público.
Assim, é evidente que o impacto da alíquota única sobre esses itens será maior no orçamento de famílias com menor renda. Por isso, há necessidade de alíquotas variáveis para minimizar a regressividade da tributação sobre o consumo. Afinal, não é razoável aplicar alíquotas idênticas a bens essenciais, como cesta básica, e de luxo, como joias.
De outro lado, há elementos que desmentem a afirmação de que a PEC 45 não aumentará a carga tributária. Com efeito, embora a alíquota do IBS tenha sido estimada em 25%, não há memória de cálculo que permita averiguar a exatidão desse percentual. Mas não é só. Para não haver queda na arrecadação, sua alíquota deverá equivaler às médias atuais do ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins e ainda haverá a incidência adicional de um novo imposto, o seletivo, que recairá sobre as mesmas bases. Se a alíquota média do seletivo for 2%, o impacto final da PEC 45 será de 27%, no mínimo.
Além do aumento de carga tributária decorrente da instituição do imposto seletivo, diversos setores serão pesadamente onerados, como profissionais autônomos (da ordem de 470%) e prestadores de serviços no regime do lucro presumido (211% aproximadamente).
Também deve ser considerada a questão federativa. Segundo a Receita Federal, IPI, PIS e Cofins representam 41,5% das receitas tributárias da União. Já o ICMS e o ISS representam, respectivamente, 88% e 43% das receitas tributárias de estados e municípios, conforme levantamento da Endeavour em parceria com a Ernst & Young. Transferir essas receitas para a União, como pretende a PEC, implicará redução da autonomia financeira dos entes descentralizados. Isso porque estados, municípios e Distrito Federal não estarão autorizados a instituir e arrecadar o IBS nem variar alíquotas em função do setor, produto ou das circunstâncias econômico-sociais.
Por fim, não é correto afirmar que a PEC 45/2019 simplificará o sistema. Afinal, serão inseridos 141 dispositivos inéditos na Constituição Federal e cerca de 40 novos conceitos em matéria tributária. Nos dez primeiros anos de vigência do IBS, o país terá que conviver com dois modelos paralelos de tributação sobre o consumo. Nesse período, os contribuintes terão que arcar com custos de conformidade em dobro e estarão sujeitos à fiscalização da União, dos estados e dos municípios, além daquela própria do IBS. Portanto, não haverá simplificação com o IBS proposto.
Em suma, entre fatos e versões, deve-se pensar se essa é a reforma que o Brasil precisa. É necessário que os fatos sejam devidamente considerados.
Fonte: Folha de S. Paulo