Artigo: Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins: modulação e ação rescisória
Perdurou por mais de 20 anos a discussão acerca da possibilidade, ou não, da inclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da Cofins, ocorrendo a fixação do Tema nº 69, apenas em 15/3/2017, quando definiu a Suprema Corte ser incabível a inclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da Cofins.
Transcorridos quase quatro anos da data do julgamento deste Tema, em 13/5/2021, analisando os embargos de declaração opostos pela União, o STF houve por bem promover a delimitação temporal do julgamento, modulando seus efeitos, no seguinte sentido (sessão realizada por videoconferência — Resolução 672/2020/STF).
Contudo, o efeito econômico decorrente da morosidade na escorreita e definitiva resolução da temática colocou — e ainda coloca — todo o contencioso tributário em atenção.
Isso porque, visando a mitigação dos efeitos da decisão definitiva do STF, maneja, a Fazenda Pública, ações rescisórias em face dos contribuintes que, após 15/3/2017 (data da fixação do Tema nº 69 pelo STF) ingressaram com medida judicial visando o reconhecimento à exclusão do ICMS das bases do PIS e da Cofins e detiveram o efetivo trânsito em julgado favorável de suas ações antes da apreciação dos embargos de declaração da União, ocorrida em 13/5/2021.
Por meio deste pedido rescisório, a procuradoria visa delimitar o período de ressarcimento a ser utilizado por esses contribuintes, na medida em que, quando do encerramento de seus processos, garantiram a recuperação dos valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos, contados da propositura da medida judicial, quando, nos termos da modulação de efeitos, a retroatividade ficaria limitada à data do julgamento de mérito, 15/3/2017.
Acampando mencionado pedido encontram-se decisões recentes provenientes do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região [1], que reconheceram a necessidade de delimitação do período de recuperação de valores para aqueles contribuintes que ingressaram com ação após 15/3/2017 e obtiveram trânsito em julgado anterior a 13/5/2021.
Contudo, tal postura, além de incabível, também remete à ofensa extrema aos primados da segurança jurídica e da coisa julgada material.
Em relação ao cabimento da ação rescisória previsto no 966, V, § 5º, do CPC/15 [2], de sua leitura, por si só, é possível o afastamento da controvérsia, uma vez que o sistema de precedentes, adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, conta com os entendimentos pacificados pelo STF na Súmula nº 343 e no Tema nº 136, recentemente confirmado pela Suprema Corte e que dispõem:
a) Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais (Súmula 343 do STF);
b) Não cabimento de ação rescisória quando o acórdão estiver em harmonia com a jurisprudência firmada pela corte na época, ainda que ocorra mudança posterior do entendimento sobre a matéria. O órgão colegiado acompanhou integralmente o voto do relator, pela aplicabilidade da Súmula 343 do STF, que afasta o cabimento da ação rescisória contra decisão baseada em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais e proferidas em harmonia com a jurisprudência do STF, mesmo que ocorra alteração posterior. (AR 2.297 no RE 350.446, rel. min. Edson Fachin, DJE 17/3/21 — reafirmação do Tema nº 136).
O entendimento lançado pela Súmula nº 343 e pelo Tema nº 136, ambos do Supremo Tribunal Federal, colide diretamente com o pleito fazendário de manejo de ação rescisória para suposta adequação das decisões à modulação de efeitos ocorrida em 13/5/2021.
Ainda, analisando o artigo 535, § 8º, do CPC/15 [3], trazido para extirpar a “coisa jurídica inconstitucional” do ordenamento, também é evidente o descabimento da rescisória, na medida em que as decisões transitadas em julgado em favor dos contribuintes trazem o entendimento do STF formalizado no julgamento de mérito do Tema nº 69, bem como, só se cogitaria adotar este fundamento, em face das decisões declaratórias que são executadas judicialmente.
Em arremate, evidente que a modulação de efeitos não é mudança de entendimento capaz de relativizar a coisa julgada, primado maior de todo o Estado Democrático de Direito.
Assim, a lógica jurídica é pela impossibilidade de redução do direito dos contribuintes que ingressaram com ação judicial para reconhecimento à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins após 15/3/2017 e obtiveram a formalização do trânsito em julgado antes de 13/5/2021, em prestígio à coisa julgada material e segurança jurídica, garantidas pelo sistema de precedentes.
Porém, não bastasse os contribuintes serem surpreendidos com o pleito rescisório da Fazenda e seu acatamento pelos tribunais de segunda instância, o que já traz as conhecidas dificuldades em levar a discussão até os Tribunais Superiores, haja vista a posição do STF, que considera a violação à coisa jurídica, tão somente, ofensa reflexa à Constituição, incapaz de deflagrar a tutela pela Corte Constitucional, também se depararam com a publicação da Emenda Constitucional (EC) nº 125/2022.
Referida EC, além de trazer novo requisito de admissibilidade para os recursos especiais, qual seja, convencer 2/3 dos membros dos órgãos julgadores da relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, também dispôs de um rol extremamente enxuto de situações em que a relevância estaria implícita.
Vale dizer que o estudo da EC, em si, é assunto para muitas outras reflexões de cunho jurídico, cabendo, por ora, apenas demonstrar que, mesmo passados mais de 20 anos de incertezas, os contribuintes ainda não podem desfrutar da tranquilidade que deveria acompanhar a orientação pacificada da Tese do Século.
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[1] Autos n. 5029842-53.2021.4.04.0000/RS.
[2] Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
V – violar manifestamente norma jurídica;
§ 5º. Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)
[3] Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:
§ 5º. Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
§ 8º. Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Por Claudio Giglio, Laís Pigozzi Matos e Marcela Terra de Macedo
Fonte: ConJur