Destinação do Imposto de Renda ainda fica aquém do possível

Parte da arrecadação tributária do Brasil que poderia ser aportada diretamente em projetos sociais, culturais e esportivos, estimulando a participação cidadã na gestão dos recursos públicos, não é direcionada por desconhecimento

A gestão do dinheiro público é sempre um ponto polêmico no Brasil. A ideia que predomina no senso comum é a de que o montante arrecadado no Brasil deixa de atender aos propósitos, e não é raro acompanharmos no dia a dia debates acalorados sobre o tema. Com uma carga tributária elevada, que consome mais de 35% do PIB brasileiro, e muito por fazer em áreas sensíveis como educação, saúde e infraestrutura, a administração pública é alvo das queixas.

No entanto, além das tradicionais formas de acompanhar as contas públicas, observando o trabalho do Legislativo, Executivo e do Judiciário, o contribuinte tem um outro caminho para saber do destino dos impostos que paga: as destinações do Imposto de Renda (IR). “Isso funciona bem. Toda pessoa física pode doar 6% do IR devido. É uma forma de canalizar o dinheiro da população”, explica o doutor em Economia e professor da Ufrgs Marcelo Portugal. “No fundo, o cidadão faz o papel de governante e escolhe quem irá se beneficiar com aquela verba”.

Embora a iniciativa seja louvada e ressaltada como uma forma de exercício da cidadania, ela ainda está muito aquém do que poderia. No ano passado, do total do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) devido, que somava mais de R$ 130 bilhões, cerca de R$ 7,8 bilhões poderiam ter sido destinados a projetos sociais voltados para o atendimento de crianças, adolescentes e idosos, além de ações culturais e desportivas. Porém, segundo a Receita Federal do Rio Grande do Sul, que verificou as destinações feitas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), apenas R$ 34,83 milhões foram aportados em projetos vinculados aos fundos da Criança e do Adolescente. Para o superintendente da Receita, Paulo Renato Silva da Paz, a instituição não entra no mérito das discussões, nem condena ou apoia a destinação. A escolha é de cada contribuinte.

Em 2013, o Funcriança, gerido pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Porto Alegre, recebeu R$ 20 milhões por meio das destinações do Imposto de Renda, mas segundo o presidente do conselho, André Seixas, o montante poderia chegar a R$ 180 milhões. Para os porto-alegrenses, realizar o direcionamento de parte do imposto para os projetos listados pelos conselhos é uma forma de ver a aplicação do percentual que, embora baixo em comparação com o total pago em tributos, pode fazer a diferença para quem está ali muito próximo. Outro benefício é poder acompanhar a aplicação junto às próprias entidades. Dessa forma, ele vê, de perto, o quanto o seu imposto pode resultar em melhorias das mais diversas.

O que torna as destinações tão baixas perto do que poderiam ser ainda é o desconhecimento, frisa Renato Paixão, assessor jurídico da VR Projetos Culturais e Sociais Transformadores, que atua com captação de recursos para projetos socioculturais. “Sempre trabalhamos com pessoa jurídica, mas é um grande problema quando avaliamos a questão da pessoa física. Apenas 0,5% das pessoas físicas contribuintes que podem destinar recursos o fazem. Ou seja, tem um universo de 99,5% para ser alcançado.” No caso das pessoas jurídicas, o total permitido a ser destinado é de 1% sobre o imposto devido.

Como efetivar as contribuições?

As destinações podem ser feitas até 31 de dezembro, sendo que as pessoas físicas podem doar até 6% do imposto devido/retido, enquanto as pessoas jurídicas estão limitadas a 1%. Para isso, o contribuinte projeta o imposto a recolher e calcula a valor aproximado para doação, considerando a última declaração de renda, solicitando ao seu empregador as informações sobre rendimentos e abatimentos e/ou contando com apoio e orientação de profissionais da contabilidade. No caso das pessoas jurídicas, a apuração do resultado no exercício é a base para o cálculo da doação. As doações realizadas serão deduzidas do imposto devido na declaração do ano seguinte. É importante que o contribuinte verifique se o projeto está habilitado para o recebimento da destinação, seja por meio dos fundos municipais da criança ou do idoso, ou junto aos ministérios da Cultura e do Esporte, no caso de projetos vinculados a essas áreas.

Fonte: Jornal do Comércio